segunda-feira, 26 de agosto de 2013

texto ideologia modulo de recuperação


 

IDEOLOGIA E ALIENAÇÃO


“O fenômeno de alienação, de externalidade, de ‘participação’ extrema sem individualização e de separação entre o intelecto e o sentimento, características do nosso tipo de cultura presente, levam à esquizofrenia coletiva.”

(Erich Fromm)

Quando se fala em ideologia, o que nos vem logo à mente? Um sistema de idéias. E, sem dúvida, não deixa de ser. Se digo: “tenho uma ideologia”, “fulano não tem ideologia”, “a ideologia do partido”, estou me referindo, geralmente, a um ideal concretizado na sistematização de algumas idéias.

Entretanto, na visão marxista, a palavra ideologia tem um sentido mais profundo e nos mostra que, normalmente, as idéias cristalizadas em sistemas que governam as sociedades nada mais são do que urna ocultação da realidade.

Segundo a concepção dialética, o homem só se realiza na sua práxis. Fora dela, ele é um alienado. E o propósito das ideologias costuma ser, exatamente, alienar o homem.

Na verdade, a ideologia concerne à consciência, mas é, realmente, inconsciente.

Geralmente, elaboramos um sistema de idéias para explicar uma realidade social, mas, na verdade, é a realidade que explica aquela sistematização de determinadas idéias. Vejamos: quando nascemos, encontramos um mundo que se nos apresenta como um mapa onde tudo já está explicitado e determinado. Existem zona “proibidas”, regras sagradas, os “pode” e “não pode”.

Desde cedo, os chamados “aparelhos ideológicos do Estado”, como a família, a escola, a Igreja, os partidos políticos, colocam em nossa cabeça certa “visão de mundo”, certas explicações a respeito de tudo, como se fossem verdades inquestionáveis.

Por que aceitamos que haja uma moral para o homem e outra para a mulher? Por que há sociedades em que as mulheres aceitam a barbaridade de serem mutiladas, na infância, para nunca sentirem prazer? Como o trabalhador aceita uma situação em que ele mal ganha para sobreviver, enquanto o patrão se enriquece cada vez mais? Como não percebe o absurdo das classes sociais, em que uma vive da exploração e da dominação de outras? Por que uma realidade social é conservada? Como explicar que uma realidade, às vezes até cruel, seja aceita como “normal” e “natural”?

Como entender a existência de uma antena parabólica em uma casa de favela, onde falta o essencial? Por que as crianças choram por um Papai Noel que não veio? Por que as pessoas miseráveis contemplam, maravilhadas, vitrines repletas de produtos que lhe são inteiramente inacessíveis?

Por que as pessoas se colocam como cordeiros diante de uma situação tão revoltante?

Aí somos remetidos exatamente à questão da ideologia, que é o obscurecimento da realidade para favorecer uma determinada classe dominante. As pessoas aceitam situações tão revoltantes corno naturais porque foram condicionadas, desde cedo, a verem-nas como “certas”.

E o problema da ideologia é tão sério, o trabalho de condicionamento é tão bem feito e tão antigo, que os próprios membros da classe dominante acham muito natural: “as coisas são assim mesmo”, “alguns nascem para ser pobres”, “quem nasceu para cangalha não chega à sela”, etc. E existem mil maneiras de alienar o homem.

Por que um pobre coitado chega em casa às 23 horas e se levanta às 4 e apenas trabalha e não pára, um só minuto, para pensar no absurdo desta situação? Porque sua mente já foi bem trabalhada e ele dá “graças a Deus” porque ainda tem trabalho e pode comer...

Mas, além de alienado da verdadeira realidade, o homem, cada vez mais, se aliena de si próprio, de sua verdade e de seu trabalho.

Sem dúvida alguma, como dizia Marx, é no trabalho que o homem se realiza como homem. Mas num trabalho automático, sem criatividade alguma, que ele detesta?

São os homens que criam as relações sociais. E é daí que temos de partir para compreender a maneira como agem e pensam de determinadas formas. Também eles são os que dão sentido a tais relações e as conservam ou transformam. E são eles, pelo próprio movimento da história.., que procuram fixar determinadas relações em instituições que, por sua vez, vão perpetuar estas relações.

Através da ideologia, os homens procuram “legitimar” condições dc exploração, dominação e injustiça.

E não podemos nos esquecer que toda prática social tem como ponto de partida a ideologia. Ela impregna tudo, até a própria ciência. Por isso é preciso cuidado ao filosofar, porque, sem o percebermos, podemos estar sendo governados pela ideologia, idéias que, “a priori”, já estão estabelecidas em nossas mentes. Podemos, sem querer, estar fazendo o jogo do poder desde o momento cm que levantamos as questões que vão dirigir o nosso filosofar...

Resumindo

— Ideologia é um sistema de idéias para explicar a realidade;

— A ideologia, geralmente, oculta a verdadeira realidade para favorecer a alguns;

— Os homens aceitam uma realidade absurda e injusta porque são alienados;

— A ideologia governa toda a ação e todo o pensar.

Perguntas para orientação de trabalhos

1. Após a leitura do texto, defina ideologia e alienação da

maneira como compreendeu.

2. Qual o interesse de se esconder a realidade?

3. Quais os perigos da alienação?

4. Leia o texto abaixo, de nossa autoria, e, em cima dele, discuta a questão da ideologia e da alienação:

“Eu sou o Zé. Zé qualquer coisa. Meu trabalho é uma mercadoria que eu vendo. Não tem nada a ver com o meu pensar. Nele eu me despersonalizo.

Meu colega é meu rival que, potencialmente, se multiplica por todos aqueles que podem me substituir.

Eu estou só na luta pela vida.

Dizem que os homens são iguais. Dizem, também, que é o esforço, a dedicação e a tenacidade que fazem de uns mais bem sucedidos que outros. E eu luto para demonstrar que sou bom naquilo que faço. Luto por uma vida mais digna, que não alcanço nunca. Se só o trabalho pudesse melhorar a vida de alguém, meus filhos teriam calçados, roupas, remédios, médico, dentista, escola e boa alimentação. E nós teríamos uma casa limpa e sólida para viver.

Eu sou o Zé. O Zé que constrói pontes, edifícios, barragens, clubes; que limpa ruas, arruma os jardins; aquele que trabalha na fábrica de automóveis, de eletrodomésticos, de tecidos. Mas que não tem acesso a nada do que faz...

Eu sou o Zé que torna possível a vida de muitos, mas com quem ninguém se importa. E que, qualquer dia desses, vai morrer na fila de um hospital público e ser jogado numa vala comum...”


Texto 02

A ideologia


A alienação social se exprime n uma “teoria” do conhecimento espontânea, formando o senso comum da saciedade. Por seu intermédio, são imaginadas explicações e justificativas para a realidade tal como é diretamente percebida e vivida.

Um exemplo desse senso comum aparece no caso da “explicação” da pobreza, em que o pobre é pobre por sua própria culpa (preguiça, ignorância) ou por vontade divina ou por inferioridade natural. Esse senso comum social, na verdade, é o resultado de uma elaboração intelectual sobre a realidade, feita pelos pensadores ou intelectuais da sociedade — sacerdotes, filósofos, cientistas, professores, escritores, jornalistas, artistas —, que descrevem e explicam o mundo a partir do ponto de vista da classe dominante de sua sociedade. Essa elaboração intelectual incorporada pelo senso comum social és Ideologia, Por meio dela, o ponto de vista, as opiniões e as idéias de uma das classes sociais — a dominantes dirigente — tornam-se aponto de vista e a opinião de todas as classes e de toda a sociedade.

A função principal da ideologia é ocultara dissimularas divisões sociais e políticas, dando-lhes a aparência de indivisão social e de diferenças naturais entre os seres humanos, Indivisão: apesar da divisão social das classes, somos levados a crer que somos todos iguais porque participamos da idéia de “humanidade”, ou da idéia de “nação” e “pátria”, ou da idéia de “raça”, etc, Diferenças naturais: somos levados a crer que as desigualdades sociais, econômicas e políticas não são produzidas pela divisão social das classes, mas por diferenças individuais dos talentos e das capacidades, da inteligência, da força de vontade maior ou menor, etc.

A produção ideológica da ilusão social tem como finalidade fazer com que todas as classes sociais aceitem as condições em que vivem, julgando-as naturais, normais, corretas, justas, sem pretender transformá-las ou conhecê-las realmente, sem Levarem conta que há uma contradição profunda entre as condições realcem que vivemos e as idéias.

Por exemplo, a ideologia afirma que somos todos cidadãos e, portanto, temos todos os mesmos direitos sociais, econômicos, políticos e culturais. No entanto, sabemos que isso não acontece de fato: as crianças de rua não têm direitos; os idosos não têm direitos; os direitos culturais das crianças nas escolas públicas é inferior aos das crianças que estão em escolas particulares, pois o ensino não é de mesma qualidade em ambas; os negros e índios são discriminados como inferiores; os homossexuais são perseguidos como pervertidos, etc.

A maioria, porém, acredita que o fato de ser eleitor, pagaras dívidas e contribuir com os impostos já nos faz cidadãos, sem considerar

condições concretas que fazem alguns serem mais cidadãos do que outros. A função da ideologia é impedir-nos de pensar nessa coisa.


Os procedimentos da ideologia

 

Como procede a ideologia para obter esse fantástico resultado? Em primeiro lugar, opera por inversão, isto é, coloca os efeitos no lugar das causas e transforma estas últimas em efeitos, El  a opera como o inconsciente: este fabrica imagens e sintomas; aquela fabrica idéias e falsas causalidades.

Por exemplo, o senso comum social afirma que a mulher é um ser frágil, sensitivo, intuitivo, feito para as doçuras do lar e da maternidade e que, por isso, foi destinada, por natureza, para a vida doméstica, o cuidado do marido  e da família. Assim, o “ser feminino” é colocado como causa da “função social feminina”,

Ora, historicamente, o que ocorreu foi exatamente o contrário: na divisão sexual-social do trabalho e na divisão dos poderes no interior da família, atribuiu-se à mulher um do que outros. A função da ideologia é impedir-nos de pensar nessas coisas.

lugar levando-se em conta o lugar masculino; como este era alugar do domínio, da autoridades do poder, deu-se à mulher o lugar subordinado e auxiliar, a função complementar e, visto que o número de braços para o trabalho e para a guerra aumentava o poderio do chefe da família e chefe militar, a função reprodutora da mulher tornou-se imprescindível, trazendo como conseqüência sua designação prioritária paras maternidade.

Estabelecidas essas condições sociais, era preciso persuadir as mulheres de que seu lugar e sua função não provinham do modo de organização social, mas da natureza, e eram excelentes e desejáveis. Para isso, montou-se a ideologia do “ser feminino” e da “função feminina” como naturais e não como históricos e sociais. Como se observa, uma vez implantada uma ideologia, passamos a tomar os efeitos pelas causas.

A segunda maneira de operar da ideologia é a produção do imaginário social, por meio da imaginação reprodutora. Recolhendo as imagens diretas e imediatas ria experiência social (isto é, do modo como vivemos as relações sociais), a ideologia as reproduz, mas transformando-as num conjunto coerente, lógico e Sistemático de idéias que funcionam em dois registros: como representações da realidade (sistema explicativo ou teórico) e como normas e regras de conduta e comportamento (sistema prescritivo de normas e valores). Representações, normas e valores formam um tecido de imagens que explicam toda a realidade e prescrevem  para toda a sociedade que ela deve e corno neve pensar, falar, sentir e agir, A ideologia assegura, a todos, modos de entender a realidade e de se comportar nela ou diante dela, eliminando dúvidas, ansiedades, angústias, admirações, ocultando as contradições da vida social, bem como as contradições entre esta e as idéias que supostamente a explicam e controlam.

Enfim, uma terceira maneira de operação da ideologia é ouso do silêncio. Um imaginário social se parece com uma frase onde nem tudo é dito, nem pode ser dito, porque, se tudo fosse dito, a frase perderia a coerência, tornar-se-ia incoerente e contraditória e ninguém acreditaria nela. A coerência e a unidade do imaginário social ou ideologia vêm, portanto, do que é silenciado.

Por exemplo,a ideologia afirma que o adultério feminino é crime (tanto assim que homens que matam a esposa e o amante dela são considerados inocentes porque praticaram um ato “em nome da honra”), que a virgindade feminina é preciosa e que o homossexualismo é uma perversão e uma doença grave (tão grave que, para alguns, Deus resolveu punir os homossexuais enviando a peste, isto é, a Aids).

O que está sendo silenciado pela ideologia? Os motivos pelos quais, era nossa sociedade, o vínculo entre sexo e procriação é tão importante (coisa que não acontece em todas as sociedades, mas apenas em algumas, como a nossa). Nossa sociedade exige a procriação legítima e legal — a que se realiza pelos laços docasamento- porque ela garante, para a classe dominante, a transmissãodocapital aos herdeiros. Assim sendo,o adultério feminino e a perda da virgindade são perigosos para o capital e para a transmissão legal da riqueza,por isso,oprimeiro se torna crime e a segunda é valorizado como virtude suprema das mulheres jovens.

Em nossa sociedade, a reprodução da força de trabalho se faz pelo aumento do número de trabalhadores e, portanto, a procriação é considerada fundamental para o aumento do capital que precisa da mão-de-obra. Por esse motivo, toda sexualidade que não se realizar com finalidade reprodutiva será considerada anormal, perversa e doentia, donde a condenação do homossexualismo.

A ideologia perderia sua força e coerência se dissesse essas coisas e por isso as silencia.


Ideologia e inconsciente

 

A ideologia se assemelhas alguns aspectos do inconsciente psicanalítico. Há, pelo menos, três semelhanças principais entre eles:

1.0 fato de que adotamos crenças, opiniões, idéias sem saber de onde vieram, sem pensarem suas causas e motivos, sem avaliar se são ou não coerentes e verdadeiras;

2. ideologia e inconsciente operam através cio imaginário (as representações e regras saídas da experiência imediata) e do silêncio, realizando-se indiretamente perante a consciência. Falamos, agimos, pensam os, temos comportamentos e práticas que nos parecem perfeitamente naturais e racionais porque a sociedade os repete, os aceita, os incute em nós pela família, pela escola, pelos livros, pelos meios de comunicação, pelas relações de trabalho, pelas práticas políticas. Um véu de imagens estabelecidas interpõe-se entre nossa consciência e a realidade;

3. inconscientes ideologia não são deliberações voluntárias.

0 inconsciente preciso de imagens, substitutos, sonhos, lapsos atos falhos, sintomas, sublimação para manifestar-se e, ao mesmo tempo, esconder-se da consciência. A ideologia precisa das idéias-imagens, da inversão de causas e efeitos, do silêncio para manifestar os interesses da classes dominantes escondê-los como interesse de uma única classe social.

 Texto 03

Outras concepções de ideologia

 

O termo ideologia possui vários significados além do exposto neste capítulo. Sentido originário: ideologia é uma palavra criada por Destutt de Tracy, em 1801 quando em seu livro Projeto de elementos de ideologia empregou-a como ciência que tem por objeto o estudo das idéias (fatos da consciência). Karl Marx e Friedrich Engels deram-lhe sentido político, em meados do século XIX.

• Sentido pejorativo: ideologia corresponde a idéias que se encontram deslocadas em relação aos fatos reais; pode ser confundida com mentira ou utopia. Daí o termo ideólogo referir-se àquele que voa em seu pensamento, sonha com uma sociedade em outras bases. Quando o pensamento teórico se desenvolve sobre os próprios dados e dificulta sua aplicação, Impedindo uma explicação clara do real, também pode ser entendido no sentido pejorativo.

• Sentido doutrinário: Ideologia é entendida como o conjunto de Idéias que exerce Influência sobre grupos sociais e legítima formas de ação. Nesse sentido, a ideologia procura convencer para ganhar adeptos a doutrinas políticas, econômicas, filosóficas, religiosas, morais, que Inspiram governos e partidos políticos, por exemplo.

 

 

Principais características da ideologia

 

*Prescrição de normas: a ideologia prescreve normas para a conduta humana e, por isso, tende a manter a ordem social. No entanto, essa mesma característica instiga os homens à ação, provando que a ideologia não se compõe de idéias abstratos ou desligadas do real, mas de idéias e representações que se concretizam e movem os interesses dos homens, tanto para a manutenção quanto para a transformação da realidade.

*Representação social: a Ideologia tem a capacidade de representara realidade, criando imagens e conceitos que dão significado às relações sociais objetivas. Ela trabalha com símbolos e criações mentais. Um exemplo é a concepção de pátria-mãe, que conota proteção e amparo a todos os cidadãos, como se não existissem diferenças de tratamento e assistência aos problemas sociais:menor, mãe solteira, Invalidez por doença, desemprego, mendicância, crime e marginalidade, favelização, para citar alguns.

• Generalização do particular: a Ideologia Ignora as Especificidades dos fenômenos sociais. Trata de forma generalizada as diferentes realidades da família, da pátria, da educação, do trabalho, ocultando as condições sociais desiguais de realização dos objetivos a que os homens se propõem.

• Discurso lacunar: a Ideologia apresenta molas-verdades, Embora lacunar, o seu discurso é coerente. A afirmação “o salário mínimo atende ás necessidades básicas de uma família é um exemplo de discurso ideológico.

• Explicação da realidade: a Ideologia explica o que acontece, a partir do ponto de vista dos que dominam. Tende a Justificar posições sociais privilegiadas o impede, multas vezes, que autoridades políticas, econômicas, religiosas, científicas sejam questionadas. Nesse sentido, prevalece a opinião do deputado, do ministro, do religioso, do pesquisador, do Intelectual, como porta-vozes da verdade. É o argumento da autoridade.

• Inversão da realidade: a ideologia detém-se nos efeitos dos fenômenos, encobrindo suas causas. Não é raro, por exemplo, as reivindicações populares por melhores condições de vida e de trabalho serem rotuladas como um problema de “.falta de cultura”, ou a fome de parcela significativa da população brasileira ser explicado pela falto do hábito de plantar de nosso povo.

• Alienação: a Ideologia produz um afastamento do produtor em relação a seu produto, Impedindo-o de achar significado em seu trabalho. A alienação projeta-se, também, em outras dimensões da vida, Instalando o conformismo e a indiferença diante de determinadas situações sociais.

• Fetichização da mercadoria: a mercadoria fetichizada exerce domínio sobre o produtor e fascínio sobre o consumidor como se tivesse vida própria, Imprime força às ações de troca social. A ideologia vale-se desse processo e transforma as relações entre os homens em relações entre coisas. Desse modo, quando trocamos dinheiro por algum objeto, geralmente não percebemos as relações sociais contidas na mercadoria.

• Retificação: a ideologia faz as qualidades das coisas aparecerem como seus atributos naturais. Assim, reificadas (coisificadas), as relações de trabalho, por exemplo, são valorizadas na forma de salários. A reificação dá vida humanizada a coisas inertes, sem deixar transparecer as relações sociais que as sustentam, como nesta afirmação: “A empresa julgou improcedente a solicitação do sindicato”,

• Naturalização: a ideologia naturaliza as ações humanas, como a discriminação contra índios, por exemplo, para que aceitemos as desigualdades sociais e justifiquemos o fato de “sempre’ ter existido violência contra eles. Aponta a verdade como Inscrita na ordem das coisas, considerando uma ordem natural de acontecimentos em detrimento do processo histórico. Nesse raciocínio, é considerada “natural” a dominação de um grupo ou classe social sobre outro, o a hierarquia aparece como necessária.

• homogeneização: a Ideologia homogeneíza a aparência das classes sociais originalmente divididas em razão do antagonismo de Interesses no processo de produção e na repartição dos bens. A Ideologia apresenta-nos uma realidade sem conflitos o som contradições. Aposta na integração social, por exemplo, referindo-se ao progresso material como “fruto do trabalho de todos”.

• Ocultação: a ideologia prima por ocultar o verdadeiro conhecimento da realidade. Dado a Inter-relação de suas característicos, a Ideologia tende a esconder as Intenções predominantes nas ações, mascarando a existência de contradições na convivência social. Assim, elo é parcial, deixa opaca a realidade e auxilia a dominação. A Ideologia escamoteia a essência dos fenômenos, deixando ver apenas sua aparência. Em seu discurso, por exemplo, a ideologia pre serva a imagem de certas personalidades ao superestimar seus feitos pessoais nos acontecimentos históricos, A narrativa desses fatos é o que chamamos de “história oficial”.

 

A GENERALIZAÇÃO DO PARTICULAR

 

A pátria é um fenômeno vivido em um tempo e espaço determinados, mas generalizado em sua concepção. É mediante opiniões cristalizadas pela cultura sobre diferentes situações sociais que pensamos ter uma participação social plena. O amor pátrio, por exemplo, é idealizado corno se vivêssemos fraternalmente e usufruíssemos, por igual, o território nacional. A pátria é um fato inegável: existe e se impõe. No entanto, sob a denominação de pátria, muitos conflitos se escondem. Não há como desconhecer as condições desiguais de vida e de trabalho da população.

Generalizar ou universalizar o que é particular é uma elas artimanhas da ideologia. Ela Orienta e legitima a ação dos homens na história, por intermédio ele realidades genéricas que chamamos universais, tais como Pátria, Família, Nação, Ciência, Igreja, Estado, Escola. Nascidas de situações concretas que atendem às necessidades humanas, essas idéias genéricas ordenam a sociedade. E com elas que os homens constroem o imaginário social um conjunto coerente e sistemático de imagens e representações culturais, econômicas e políticas capaz de explicar e justificar a realidade.

A grande família da pátria ou a família constituída de pai, mãe e filhos são denominações genéricas que idealizam os laços pátrios e familiares.Ao emprega-las, a ideologia esconde e justifica especificidades da realidade social. Encobre, por exemplo, a diversidade de relacionamentos familiares na sociedade atual, que vão desde laços extensivos de sangue até a situação de pessoas agregadas vivendo sob o mesmo teto. A ideologia procede do mesmo modo em relação à Pátria, à Família, ao Estado.

Os universais são formas de vivencia social que já não se identificam com as manifestações particulares, seja da Família, da Pátria, da Escola, do Estado. A maneira pela qual essas entidades são organizadas torna-as diferentes das partes que as compõem. Ganham autonomia em relação aos indivíduos que as integram, segundo o filósofo Herbert Marcuse. Essa independência, embora real, não é legítima, pois são poderes particulares que se encarregam de organizar as esferas do social.

O Estado, por exemplo, constitui uma”comunidade ilusória’’, no dizer de Marilena Chauí, porque organiza,  os interesses específicos ele grupos e frações das classes dominantes como se tossem os interesses de todos. O chamado ‘‘Estado do bem-estar social’’parece uma entidade separada dos interesses dos grupos que têm acesso ao poder político. Contudo, sabemos que esses interesses são os que levam o Estado a agir.

Abrigados sob o signo ela representatividade social neutra, os universais contêm interesses competidores e formas de dominação e espoliação. Sobrepõem—se às instituições ou a indivíduos a elas subordinados, fazendo—os porta—vozes das influências e interesses dominantes. Assim, na função de presidente, senador, deputado, juiz, governador, prefeito, vereador, diretor, indivíduos se servem dessas entidades, agem como “representantes” da Nação, elo Partido, do Congresso, do Tribunal, do Estado, do Município, da Empresa, da Escola. As leis elaboradas, as nomeações efetuadas, os impostos cobrados, os salários fixados expressam, algumas vezes, a ação de lobbies — grupos com interesses próprios que, nas instâncias de poder, tentam impor suas reivindicações, que tanto podem ser a garantia ele direitos ao trabalhador quanto a defesa dos proprietários do capital.


Universalizar ou generalizar o particular é uma das características da ideologia, que oculta, assim, as especificidades do real.
 
 

 

O DISCURSO LACUNAR

 

A ideologia emerge das instituições em geral — escola, família, Estado, religião, empresas, associações para fins diversos —, as quais estabelecem normas para as relações sociais. Por meio de agentes definidos - políticos, professores, patrões, pais, padres e pastores —, a ideologia manifesta seu discurso a funcionários, alunos, empregados, filhos e leigos. Fala sobre as coisas, as situações, interpretando—as.

Como uma máscara, a ideologia encobre o conhecimento, retardando-o. Não deixa ver a realidade como é de fato.Vivemos mergulhados em ideologia e não nos damos conta disso. Ora acatamos a ideologia, ora resistimos a aceita-la. A partir dela pensamos, embora nem sempre pensemos sobre ela. Integra o nosso dia-a-dia, justificando as posições que assumimos e as exigências e possibilidades dos grupos, classes ou nações. Por isso, C comum ouvirmos as expressões: ‘‘Sabe coto quem está falando?’’ ou “É assim mesmo este país  não tem jeito...”. Como um código de interpretação do inundo, a ideologia lê a trama dos interesses em jogo, dando-nos soa visão do conjunto das relações sociais. Culturalmente, é considerada ,uma mundivisão  conjunto de representações do inundo e do lugar do homem no mundo.

A ideologia é, pois., um processo de embaralhar o conhecimento, operando de modo contraditório. Atua no sentido do conhecer e do desconhecer, jamais explica tudo. Apenas pretende que nos contentemos com meias verdades.Vejamos alguns exemplos disso, selecionados de livros didáticos por Ana L.úcia G. de Faria:

 

 

“O homem modifica a natureza para o bem de outros homens.”

“Os índios viviam quase da mesma maneira que os homens das cavernas. Até hoje vivem assim. Não conhecem o progresso nem precisam dele.”

“Gente de outros lugares também quis vir para o Brasil: o italiano, o alemão, o japonês e muitos outros.”

 

Será mesmo que a natureza, apropriada e transformada pelo homem, beneficia os outros homens? Teriam os índios brasileiros dispensado a “civilização” ou foram por ela dispensados? Que contexto histórico do capitalismo provocou a vinda de tantos migrantes estrangeiros para o nosso país, no final do século passado?

Os argumentos da ideologia são envolventes e convincentes, mas cheios de vazios — trata—se do discurso lacunar, segundo Marilena Chauí. Esse discurso não fornece as explicações verdadeiras. Permanece na constatação dos fatos, não analisa as suas causas e camufla as intenções predominantes em determinadas situações. Sem esclarecer a realidade das condições sociais, a ideologia justifica por que a sociedade é assim e não de outro modo. Valendo—se de explicações dos dominadores, a ideologia reduz as experiências históricas dos grupos sociais subalternos, minimizando suas conquistas e dificultando a busca de alternativas.

O modo de produzir a subsistência condiciona o pensar e o agir sociais. Os homens são o resultado de suas próprias relações sociais, independentes da sua vontade. Para Karl Marx, essas relações são históricas, necessárias e determinadas. No famoso prefacio à obra Para a crítica da economia política, escrito em janeiro de 1559, em Londres, e publicado pela primeira vez em língua portuguesa em 1977, ele afirmava:

 

0 conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se apóia uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo do produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e Intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência.”

 

Marx resgatou o fenômeno ideologia da concepção que o prendia ao âmbito das idéias, como se elas nascessem independentemente das ações dos homens. Ao inverter o raciocínio, ele mostrou que, a partir das condições concretas sob as quais ocorrem as relações entre os homens, tudo é produzido, inclusive o pensamento. A ideologia nasce da dificuldade que os homens têm para explicar as condições de sua existência social. Ela facilita a aceitação dessa realidade desigual, de exploração e de exclusão social, ao legitimar determinadas posições políticas e ao justificar as práticas sociais dos poderosos.

Como já dissemos, a ideologia dispõe de esquemas explicativos da realidade a partir do ponto de vista dos que dominam, ou porque ocupam postos de mando, ou porque detêm informações. Decorre daí a força do discurso político, econômico, ou mesmo jurídico.

Sem deixar que os sujeitos envolvidos nas ações se manifestem espontaneamente, a ideologia abafa a essência dos acontecimentos (discurso das coisas), valorizando a aparência dos acontecimentos, a interpretação (discurso sobre as coisas). Por exemplo, quando se trata de educação, a ideologia pode não dar vez ao discurso dos alunos, às suas reivindicações. Mas pode dar voz aos mestres, que veiculam o discurso sobre a pedagogia, a teoria e o método de ensinar. Esse é o pensamento do filósofo Claude Lefort, para quem a ideologia toma o lugar do verdadeiro saber. Ela produz representações do real e sugere normas para o agir, no sentido conselheiro do “deve ser assim”. Nascem, desse modo, prescrições de comportamento social, que fornecem o tom oficial do discurso das instituições, como nos casos: “A Escola cabe fornecer os fundamentos do saber especializado”; “O Estado deve suprir as carências sociais”;”A Família tem por dever criar e educar as crianças”.

 

Vivemos no mundo maciçamente reificado do capitalismo do capitalismo onde os elementos qualitativos, como a mão-de-obra, são quantificados em preço, custo, rendimento. Por exemplo, quando ocorrem greves, são calculadas as perdas, em dinheiro, que aquelas horas não-rabalhadas acarretaram ao processo produtivo. As dificuldades dos trabalhadores são levantadas apenas pelos próprios, quando se organizam em sindicatos e associações de defesa. É o domínio do material sobre o humano. É o reinado das coisas “humanizadas” Damos vida a entidades sociais ao dizermos:

“A nação está mobilizada”;”o povo foi enganado”“O Brasil ganhou a Copa do Mundo”; “A pátria foi ultrajada”.

 

A ideologia manifesta-se por meio da mercadoria fetichizada, que fhz as relações entre
os homens parecerem relações entre coisas.

 

A DOMINAÇÃO PELA IDEOLOGIA

 

O poder atinge e modifica todos os níveis de relação social. Está presente nas relações entre sexo, empresas, classes, grupos que detêm o poder político e assume diversas formas e métodos para manter esse poder :violência, coação, pressão, propaganda, persuasão, A dominação tem na ideologia um recurso para suavizar a imposição social. Ela justifica a dominação/subordinação. A sujeição a um grupo, ou a admissão da supremacia de unia etnia sobre Outra, ou a aceitação de uma doutrina (política ou religiosa) como “a verdade” acontece na medida em que as classes sociais justificam o seu ter, o Seu fazer, o seu ser social.



A classe dominante impõe a sua visão de mundo como  “a realidade” dos fitos. Mas ela também é influenciada pela ideologia. Ao universalizar, ir a particularidade de sua posição social, a classe dominante aceita como “natural” a Sua dominação, a tal ponto que a ordem estabelecida (establishment) não lhe parece ser ideologia. Prevalecem, pois, os interesses dos que dominam, seja na aplicação das leis, seja mio uso e investimento dos recursos públicos.

Nesta era da racionalidade tecnológica, a ciência e a técnica têm facilitado novas formas de dominação, legitimando-as. Ambas impõem—se como ideologia, segundo o filósofo A ciência moderna gera um saber tecnicamente manipulável, destinado a fins políticos e pragmáticos. Desse modo, cresceu a interdependência entre ciência e técnica, aumentou a ação intervencionista do Estado na economia e:ocorreu a despolitização das massas. Pelo avanço técnico-científico, o progresso material é alcançado e tem alimentado a ideologia do desenvolvimento das nações.

A indústria publicitária, por exemplo, usa métodos persuasivos para anunciar roupas, aparelhos eletrônicos, ou mesmo alimentos. Cria um ambiente propício para o consumidor identificar—se e, assim, desejar possuir algo que satisfaça sua necessidade de vestir—se, informar—se ou alimentar—se, ao mesmo tempo que, supostamente, suprirá, também, alguma carência íntima, afetiva ou social. Na prática, mais uma venda é realizada, e o consumidor não percebe o processo de persuasão nela embutido.

A ideologia é, então, o comprometimento da consciência social em proveito da classe no poder. É um fenômeno tão complexo que até Aristóteles, um dos maiores filósofos de todos os tempos,justificava a escravidão como necessária para o bom funcionamento da organização social. O trabalho escravo possibilitava aos cidadãos tempo livre para se dedicarem à política, à filosofia e às artes. Enquanto os habitantes da polis (cidade) pensavam, os escravos trabalhavam.

‘As classes que detêm o poder político e econômico dominam, também ideologicamente conforme diziam Marx e Engels As idéias da classe dominante concentradas, por exemplo, na Constituição dos países. É o caso do artigo 5º de nossa Constituição: todos são iguais perante a lei. Ele faz apenas um reconhecimento teórico da igualdade social. Na pratica, sabendo que alguns são “mais iguais”, que outros. Ora, como o artigo não faz essa distinção, fica–nos a impressão de que

quarta-feira, 13 de março de 2013

texto base para o estudo dirigido sobre filosofia na Idade Média 1º série


CENTRO EDUCACIONAL 06- GAMA

DISCIPLINA : FILOSOFIA

PROF: DENYS F. DA COSTA


                                                           TEXTO BASE  PARA O ESTUDO DIRIGIDO   1º ANO

TEXTO 01

FILOSOFIA NA IDADE MÉDIA

O quarto e último período do pensamento grego denomina-se religioso, porque o espírito humano procura a solução integral do problema da vida na religião ou nas religiões. O problema da vida é agudamente sentido, pelo fato de ser profundamente sentido o problema do mal. Deste problema não se acha, racionalmente, uma explicação plena, e, por conseguinte, se recorre à concepção de uma queda arcana, original, do espírito, de um conseqüente encarceramento do espírito no corpo, e de uma purificação e libertação ascética e mística. A desconfiança do conhecimento racional impede à evasão para um conhecimento supra-racional, imediato, intuitivo, místico, da realidade absoluta, para a revelação, o êxtase. Assim, o pensamento grego, que partiu de uma religião - positiva -, e a demoliu paulatina e criticamente nos grandes sistemas clássicos, volta, no seu término, para a religião. Já não se trata, porém, da velha religião grega, olímpica, homérica, absolutamente incapaz, devido aos seus limites naturalistas, humanistas, políticos, de resolver os grandes problemas transcendentes - do mal, da dor, da morte, do pecado - que nem sequer se propõe. Trata-se, ao contrário, das religiões orientais, semitas, místicas, mistério, filosóficas, especialmente propensas a estes problemas e fecundas em soluções do mais vivo interesse.

No período religioso permanecem os problemas do período ético, mas singularmente acentuados; procura a solução mediante uma metafísica completada pela religião. Tentar-se-á a síntese filosófica do dualismo platônico, do racionalismo aristotélico, do monismo estóico, e mais precisamente do transcendente divino platônico, do logos racional aristotélico, da alma estóica do mundo, em uma forma de triteísmo, em uma característica espécie de trindade divina. Nesta síntese metafísica prevalece o platonismo, com a sua radical separação entre o mundo sensível e inteligível, com a sua extrema transcendência da divindade, com a sua doutrina de uma queda original, com a sua religiosidade e o seu misticismo. Mas na metafísica neoplatônico - obra-prima deste período religioso - tal transcendência, característica do clássico dualismo grego, terminará no monismo emanatista.

O último período do pensamento grego abrange os primeiros cinco séculos da era vulgar: substancialmente, a idade do império romano, de que a filosofia religiosa neoplatônica forma como que a estruturação ideal; e também a idade da patrística cristã, com que o neoplatonismo tem contatos, intercâmbio e polêmicas. O centro deste movimento filosófico é Alexandria do Egito, capital comercial, cultural, religiosa do mundo cosmopolita helenista-romano, encruzilhada entre o Ocidente e o Oriente, sede do famoso Museu.

O sistema metafísico predominante no período religioso é o neoplatonismo, e o seu maior expoente é Plotino (III século d.C.), cuja vida e pensamento nos foram transmitidos pelo discípulo Porfírio. O neoplatonismo, todavia, tem rumos precursores nos primeiros séculos da era vulgar: 1 - oriental, em Filo de Alexandria, que tenta a síntese do pensamento grego com a revelação hebraica, interpretada à luz do pensamento grego, mas a este supra-ordenada; II - ocidental, no novo pitagorismo, cujo maior representante é Apolônio de Tiana, e no platonismo religioso, cujo maior expoente é Plutarco de Queronéia. E também teve o neoplatonismo desenvolvimento nos últimos séculos do império romano: l. - na assim chamada escola siríaca, cuja mais notável expressão é Jâmblico, e exerceu também certa influência política com o imperador Juliano Apóstata; 2°. - na chamada escola ateniense, cuja mais notável expressão é Proclo, que sistematizou definitivamente e transmitiu aos pobres o pensamento neoplatônico. Com a escola ateniense acaba, também historicamente, o pensamento grego, pelo encerramento dessa escola ordenado por Justiniano imperador (529 d.C.). Entretanto, o pensamento grego - o pensamento platônico, pelo menos - já tinha sido assimilado pelo pensamento cristão patrística, e a sua parte vital tinha sido adaptada  e valorizada no cristianismo.

 

                   

      TEXTO 02:   PATRÍSTICA

 
                A patrística procurou conciliar as verdades da revelação bíblica com as construções do pensamento próprias da filosofia grega. A maior parte de suas obras foi escrita em grego e latim, embora haja também muitos escritos doutrinários em aramaico e outras línguas orientais.
Patrística é o corpo doutrinário que se constituiu com a colaboração dos primeiros padres da igreja, veiculado em toda a literatura cristã produzida entre os séculos II e VIII, exceto o Novo Testamento.
             O conteúdo do Evangelho, no qual se apoiava a fé cristã nos primórdios do cristianismo, era um saber de salvação, revelado, não sustentado por uma filosofia. Na luta contra o paganismo greco-romano e contra as heresias surgidas entre os próprios cristãos, no entanto, os padres da igreja se viram compelidos a recorrer ao instrumento de seus adversários, ou seja, o pensamento racional, nos moldes da filosofia grega clássica, e por meio dele procuraram dar consistência lógica à doutrina cristã.
         O cristianismo romano atribuía importância maior à fé; mas entre os padres da igreja oriental, cujo centro era a Grécia, o papel desempenhado pela razão filosófica era muito mais amplo e profundo. Os primeiros escritos patrísticos falavam de martírios, como A paixão de Perpétua e Felicidade, escrito em Cartago por volta de 202, durante o período em que sua autora, a nobre Perpétua, aguardava execução por se recusar a renegar a fé cristã. Nos séculos II e III surgiram muitos relatos apócrifos que romantizavam a vida de Cristo e os feitos dos apóstolos.
        Em meados do século II, os cristãos passaram a escrever para justificar sua obediência ao Império Romano e combater as idéias gnósticas, que consideravam heréticas. Os principais autores desse período foram são Justino mártir, professor cristão condenado à morte em Roma por volta do ano 165; Taciano, inimigo da filosofia; Atenágoras; e Teófilo de Antioquia. Entre os gnósticos, destacaram-se Marcião, que rejeitava o judaísmo e considerava antitéticos o Antigo e o Novo Testamento.
No século III floresceram Orígenes, que elaborou o primeiro tratado coerente sobre as principais doutrinas da teologia cristã e escreveu Contra Celsum e Sobre os princípios;         Clemente de Alexandria, que em sua Stromata expôs a tese segundo a qual a filosofia era boa porque consentida por Deus; e Tertuliano de Cartago. A partir do Concílio de Nicéia, realizado no ano 325, o cristianismo deixou de ser a crença de uma minoria perseguida para se transformar em religião oficial do Império Romano. Nesse período, o principal autor foi Eusébio de Cesaréia. Dentre os últimos padres gregos destacaram-se, no século IV, Gregório Nazianzeno, Gregório de Nissa e João Damasceno.
Os maiores nomes da patrística latina foram santo Ambrósio, são Jerônimo (tradutor da Bíblia para o latim) e santo Agostinho, este considerado o mais importante filósofo em toda a patrística. Além de sistematizar as doutrinas fundamentais do cristianismo, desenvolveu as teses que constituíram a base da filosofia cristã durante muitos séculos. Os principais temas que abordou foram as relações entre a fé e a razão, a natureza do conhecimento, o conceito de Deus e da criação do mundo, a questão do mal e a filosofia da história.
 

TEXTO 03
 A Escolástica (ou Escolasticismo) é uma linha dentro da filosofia medieval, de acentos notadamente cristãos, surgida da necessidade de responder às exigências da fé, ensinada pela Igreja, considerada então como a guardiã dos valores espirituais e morais de toda a Cristandade. Por assim dizer, responsável pela unidade de toda a Europa, que comungava da mesma fé.

A Filosofia que até então possuía traços marcadamente clássicos e helenísticos sofreu influências da cultura judaica e cristã, a partir do século V, quando pensadores cristãos perceberam a necessidade de aprofundar uma fé que estava amadurecendo, em uma tentativa de harmonizá-la com as exigências do pensamento filosófico. Alguns temas que antes não faziam parte do universo do pensamento grego, tais como: Providência e Revelação Divina e Criação a partir do nada passaram a fazer parte de temáticas filosóficas. A Escolástica possui uma constante de natureza neoplatônica, que conciliava elementos da filosofia de Platão com valores de ordem espiritual, reinterpretadas pelo Ocidente cristão. E mesmo quando Tomás de Aquino introduz elementos da filosofia de Aristóteles no pensamento escolástico, esta constante neoplatônica ainda é presente.

Basicamente, a questão chave que vai atravessar todo o pensamento escolástico é a harmonização de duas esferas: a fé e a razão. O pensamento de Agostinho, mais conservador, defende uma subordinação maior da razão em relação à fé, por crer que esta venha restaurar a condição decaída da razão humana. Enquanto que a linha de Tomás de Aquino defende uma certa autonomia da razão na obtenção de respostas, por força da inovação do aristotelismo, apesar de em nenhum momento negar tal subordinação da razão à fé. Para a Escolástica, algumas fontes eram fundamentais no aprofundamento de sua reflexão, por exemplo os filósofos antigos, as Sagradas Escrituras e os Padres da Igreja, autores dos primeiros séculos cristãos que tinham sobre si a autoridade de fé e de santidade.

Os maiores representantes do pensamento escolástico são os dois pensadores citados acima, que estão separados pelo tempo e pelo espaço: Agostinho de Hipona, nascido no norte da África no fim do século IV e Tomás de Aquino, nascido na Itália do século XIII. Embora seja arriscado dizer que sejam as únicas referências relevantes do período medieval, ambos conseguiram sintetizar questões discutidas através de todo o período: Agostinho enquanto mestre de opinião relevante e autoridade moral e Tomás de Aquino, pelo uso de caminhos mais eficazes na obtenção de respostas até então em aberto.

TEXTO 04:  
SANTO AGOSTINHO: A FÉ REABILITA  A  RAZÃO
Oficialmente, o cristianismo triunfa em 313, quando o imperador Constantino (c. 280-337), pelo edito de Milão, concede liberdade de culto aos cristãos. Na prática, po­rém, o cristianismo, com seus fiéis solidamente organi­zados sob a autoridade dos padres, dos bispos e do papa, já possuía uma instituição bastante influente: a Igreja (do grego ekklesía, isto é, "assembléia").

Mas a elevação formal da Igreja de Roma a centro da cristandade acirrou também a disputa entre as interpre­tações divergentes da mensagem de Jesus. No plano po­lítico, esse confronto de opiniões seria resolvido no Con­cílio de Nicéia (325), convocado por Constantino, e em outras reuniões do gênero, em que se estabeleceu a orto­doxia (literalmente, "opinião correta") da doutrina cristã. Desse processo - do qual fizeram parte violências con­tra os considerados hereges - resultou a Igreja Católica, que em grego significa Igreja universal.

A consolidação da ortodoxia exige, no entanto, mais do que um ato de poder que a decrete. Ela também pre­cisa ser convincente, apresentando-se não apenas como revelação mas também como resultado de raciocínios. A filosofia patrística (dos santos padres) representa, em  algumas de suas vertentes, esse esforço de munir a fé de argumentos racionais.Dentre os Santos padres, Santo Agostinho é quem leva mias longe a conciliação entre a fé e a razão: elabora a filosofia cristã, como ele a chamaria.

O Verbo em cada um
A vida de Santo Agostinho, minuciosamente narrada por ele próprio em Confissões, é quase uma demonstra­ção, na prática, de seu pensamento: experimentou o ceti­cismo quanto ao conhecimento, sofreu o abismo do ho­mem em pecado, reencontrou a esperança na graça divi­na, conheceu a felicidade e a certeza da verdade na fé.

Agostinho nasceu em 354 em Tagaste, na província ro­mana de Numídia, na atual Argélia. Educou-se em Cartago, onde se tornou professor de retórica. Mudou-se para Roma e, depois, para Milão. Durante esse período, mostrou grande inquietação intelectual: leu Cícero e uma versão latina de Categorias, de Aristóteles. Em seguida aderiu ao maniqueísmo, seita fundada pelo sábio persa Mani (c. 215-276), baseada na crença de dois princípios absolutos que regeriam o mundo: o Bem e o Mal.

Mais tarde, desiludido com os maniqueus, conheceu as concepções da Academia platônica, tomadas por um profundo ceticismo. Leu também PIotino, mas a influên­cia decisiva veio de Santo Ambrósio (c. 340-397), bispo de Milão, que indicaria a Agostinho o caminho da fé. Por fim, converteu-se em 386.

Retirou-se para sua terra natal e escreveu obras como Contra os Acadêmicos, Da Ordem e De Magistro. Ordenado padre de Hipona (na atual Argélia), e, em 395, tornado bispo da cidade, passou a dedicar-se ao sacerdócio, mas não parou de escrever. Confissões, Da Trindade e A Cidade de Deus são desse período. Ele morreu em 430, com Hipona cercada por vândalos, um povo germano, que, junto com outros povos ditos "bárbaros", aniquilava o Império Romano .

Os séculos IV e V, em que Agostinho vive, são uma época em que a filosofia, talvez com exceção do neopla­tonismo de PIotino, perdeu a confiança na razão. Mergu­lhada no ceticismo, ela duvida da possibilidade do co­nhecimento da verdade. Cabe então a Agostinho restau­rar a certeza da razão, e isso, paradoxalmente, por meio da fé. Para ele, o conhecimento da verdade é um fato, como provam as demonstrações matemáticas e lógicas, irrefutáveis. Resta então saber como tal conhecimento é possível, qual o seu aval.

O homem e seu intelecto, mutáveis e perecíveis, não podem ser os avalistas do conhecimento, pois a verdade deve ser eterna. Assim, a verdade só pode ser assegura­da por algo que se coloque acima dos homens e das coi­sas: Deus. Se a razão, na busca de sua certeza, depara com a fé em Deus, é também a fé que permite resgatar a digni­dade da razão: "Compreender para crer, crer para com­preender", escreve ele.

Agostinho situa-se na passagem do mundo greco-ro­mano para a Idade Média, cujo valor preponderante é o cristianismo. De certo modo, ele próprio representa essa passagem: nutriu-se dos resquícios da cultura helenística para depois converter-se à fé cristã. Ao romper com o passado, introduzindo uma noção de Deus alheia à filo­sofia de até então, Agostinho o faz de um modo que ca­racteriza uma certa continuidade da tradição filosófica.

A rigor, essa continuidade é a confiança na razão, sem o que a filosofia nem sequer existiria. Ao contrário de alguns representantes da filosofia patrística - como Tertuliano (c. 155-220), célebre pela fórmula "creio porque  é absurdo, a ele atribuída - , Agostinho esforça-se por reabilitar a razão diante da fé. Ela serviria ao menos (mas não só isso) Para demonstrar a necessidade do credo.

          A continuidade também se manifesta nos temas que Agostinho aborda: o universo e o princípio que o gover­na, a questão da possibilidade do conhecimento/a ética e a política - mas revestidos da ideologia cristã. Por exemplo, ele concorda com a Academia platônica de sua época, para a qual nada há de comum entre as coisas e as palavras que as designam, mas disso não conclui que o conhecimento só pode chegar ao provável. Traduzin­do a idéia estóica de que tudo participa do logos, que é corpóreo, Agostinho afirma que o conhecimento é dado pela presença íntima, em cada homem, do Verbo feito carne (Cristo), cuja verdade e certeza o ser humano ex­pressa por meio das palavras.

As cidades, dos homens e de Deus

Para Agostinho, Deus, como o Uno de PIotino é o transcendente absoluto, indizível pois nada se compara à sua divina perfeição. Por isso, sua teologia (conhecimen­to a respeito de Deus) é de caráter muito mais negativo do que ,afirmativo: "Se não podeis" escreve, "compreen­der agora o que Deus é,compreendei ao menos o que Ele.

Insondável acima da razão humana, Deus é único mas também três: Pai é a essência divina indizível; Fi­lho é o Verbo e o Logos; Espírito Santo é o Amor divino que cria tudo o que existe. A Trindade assemelha-se, em parte, às três hipóstases idealizadas por Plotino: o pró­prio Uno, que é absolutamente transcendente; a Inteligência que torna inteligíveis as coisas; e a Alma, que dá vida aos seres.

Feito à imagem e semelhança de Deus, o homem re­produz nele mesmo a Trindade: a existência (Pai), o co­nhecimento (Filho) e a vontade (Espírito Santo). A ordem do universo também é análoga à Santíssima Trindade e manifesta-se de vários modos, sempre em tríades. O mundo, por exemplo, constitui-se de coisas inanimadas,seres vivos e seres inteligentes, que são os homens, por sua vez dotados de corpo, alma e espírito, e assim por diante. A ordem do mundo é bela e boa, pois é criação de Deus. Isso significa que o mal propriamente não exis­te: é apenas o afastamento em relação a Deus, o que no homem se manifesta como pecado.

O pecado é a subversão da bela e boa ordem criada por Deus, e aparece, por exemplo, quando a alma se torna serva do corpo. O livre-arbítrio, a vontade humana é im­potente para buscar a salvação. O próprio Agostinho ser­ve como testemunha disso, pois, como narra em Confissões, não conseguia fugir do pecado, a salvação só lhe veio quando Deus assim quis. Era um eleito, predestina­do pela Vontade divina. Nesse sentido, para Agostinho, a bondade e a caridade não são meios de salvação, pois tais atos são resultado da eleição divina. Nesse aspecto, o pensamento agostiniano é radicalmente contrário à tra­dição filosófica, que via na salvação (ou na felicidade) o resultado do esforço do homem, pela filosofia. O Deus dos filósofos não é o Deus cristão, e, se Agostinho per­corre os caminhos da filosofia/ é para reafirmar com maior vigor sua fé na onipotência de Deus.

A história da humanidade é a história do pecado do homem, por livre-arbítrio, e a salvação de alguns predes­tinados, pela graça divina. Os que pecam formam a cida­de terrestre, que é o mundo dos homens. Essa cidade não é necessariamente má, mas, governada pela vontade hu­mana, tende para o pecado e é de tempos em tempos  castigada por Deus – como foi o caso, por exemplo, do Dilúvio universal. Por outro lado, porém, em meio aos homens ergue-se aos poucos, mas de modo firme, a cidade de Deus, cons­truída pelos predestinados. Agostinho propõe assim uma filosofia da história: a finalidade da história, que coinci­de com o seu fim, é a vitória definitiva da Cidade de Deus, com o retorno do Messias e o Juízo Final.


TEXTO 05 : SÃO TOMAS: UM CAMINHO ATÉ DEUS

Quem analisa as provas da existência de Deus elabo­radas por Santo Tomás de Aquino tem a impressão de estar diante de um pensador extremamente racionalista. Ledo engano. Ele é, acima de tudo, teólogo e religioso, para quem a filosofia deve servir à fé. Não no sentido de auxilia-la, mas de submeter-se a ela. Para Tomás, quan­do a fé e a razão entram em desacordo, é sempre esta que se equivoca. A Igreja soube reconhecer essa intransigen­te defesa: em 1323, Tomás de Aquino foi canonizado e, no século XIX, seu pensamento assumiu a condição de doutrina oficial do catolicismo.

Para ele, não há conflito entre fé e razão - a tal ponto que lhe é possível demonstrar a existência de Deus. Re­cusa a solução apressada de Santo Anselmo, para quem Deus, sendo perfeito, deveria ter como um de seus atri­butos perfeitos o da existência. Segundo Tomás de Aquino, definir Deus como ser perfeito ainda não impli­ca sua existência. A definição é uma ideia, e nada garan­te que uma ideia possa existir na realidade.

O ponto de partida, então, é o mundo sensível, percebi­do pelos sentidos. Estes indicam que o mundo é dotado de movimento. Mas, segundo Aristóteles, nada se move por si. A causa do movimento deve ser causada e, se não se quiser estender a série das causas ao infinito (o que não explicaria o movimento presente), é preciso admitir uma causa absolutamente imóvel e primeira: Deus. O mesmo raciocínio vale para a causa em geral. As coisas são ou cau­sa ou efeito de outras, não sendo possível ser causa e efei­to ao mesmo tempo. Deve haver, então, ou uma sucessão infinita de causas - o que é absurdo -, ou uma causa absolutamente primeira e não causada.

Os dados dos sentidos também mostram que as coisas existem e perecem. Isso significa que a existência não lhes é necessária, essencial mas apenas uma possibilidade contingente. Por isso, a existência depende de uma cau­sa, exatamente aquela que tenha a existência como essên­cia, uma existência necessária.

Além disso, o mundo apresenta uma série de seres me­nos ou mais perfeitos e que são comparados entre si de maneira relativa. Mas como saber o que é mais perfeito do que outro se não houver um padrão a partir do qual se possa medir os graus de perfeição? A hierarquia das coisas relativas depende então de um ser que seja a me­dida absoluta e eterna da perfeição.

Por fim, essa hierarquia apresenta-se como uma ordem, em que cada ser cumpre sua finalidade: os seres vivos reproduzem-se constantemente, e os corpos sempre bus­cam o seu lugar natural, mesmo que disso não tenham conhecimento. Se a finalidade de cada ser é assim atingi­da, mesmo que inconscientemente, deve haver uma In­teligência que conheça e organize o mundo de acordo com

sua finalidade.

Desse modo, a razão, por vários meios, atinge o conhecimento da existência de Deus. A razão que demonstra e a fé que revela estão, por isso, em acordo, sem que entre elas haja contradição. Ambas são modos diferentes pelos quais se manifesta a mesma e única Verdade.

O homem, dono de seus atos

Tomás de Aquino concorda com Aristóteles, segundo o qual o conhecimento racional provém inicialmente dos sentidos. Da sensação, o intelecto abstrai a individuali­dade das coisas, depurando-lhe a matéria. O resultado são as formas.

Para explicar a realização dessa operação, Tomás de Aquino, retomando a versão árabe do aristotelismo, distingue dois tipos de intelecto. O intelecto possível recebe dos sentidos as imagens das formas, que ainda se encon­tram como potência. Sua passagem ao ato supõe uma causa: é o intelecto agente, responsável pelo conhecimento efetivo das formas, atualizando o que no intelecto possí­vel só existia como potência.

A distinção desses dois intelectos não obedece apenas ao estilo de Aristóteles. Na realidade, ela é necessária do ponto de vista teológico. Se só Deus é ato puro, o intelec­to humano, para não se equiparar a ele, não pode ser somente ato, mas também a imperfeição da potência.

O mesmo motivo teológico está na base de uma sutil discussão sobre se o intelecto agente é o mesmo em to­dos os homens. Para Avicena, cada homem tem o inte­lecto possível na alma, mas o intelecto agente (ou Inteli­gência) lhe é transcendente. Averróis - ou a interpreta­ção que dele fazem seus numerosos adeptos - vai além: tanto um intelecto como outro são únicos e estão separa­dos da alma humana.

Santo Tomás, no entanto, não pode aceitar isso. Cada homem deve possuir um intelecto agente e um intelecto possível, que constituem a sua alma individual, a forma de seu corpo. Essa noção é necessária, pois só por ela se justifica o dogma cristão da imortalidade da alma de cada indivíduo. Além disso, só a, individualidade da alma faz conceber o homem como dono de seus próprios atos, isto é, o único responsável pelo pecado. Sem essa responsa­bilidade individual, não haveria a moral e muito menos a religião.

Embora tenha aceitado diversos aspectos do pensamen­to de Averróis, Santo Tomás dele diverge em questões que possam comprometer a doutrina cristã. Nesse senti­do, torna-se crucial o tema do intelecto não separado do homem e da individualidade da alma.

A ESCOlÁSTICA CHEGA AO FIM
É com Santo Tomás que a Escolástica conhece o apo­geu. As universidades fervilham com discussões acalo­radas. Mas esse quadro, que à primeira vista pode pare­cer animador, dá-se exatamente em meio às crises que levariam ao fim da Idade Média.

O Sacro Império Romano-Germânico está praticamente destruído. Por toda parte, as cidades organizam-se de ma­neira autônoma. As monarquias, como a França e a Ingla­terra, passam a constituir Estados nacionais centralizados. Os constantes conflitos entre o imperador e o papado, que se organiza como um verdadeiro Estado monárquico supranacional, também enfraquecem o Império.

O papado, na verdade, começa a disputar a hegemo­nia com os monarcas. Em 1309, sob a intervenção do rei da França, a sede do papado é transferida de Roma à ci­dade francesa de Avignon, e lá permanece até 1377. A isso logo se segue o cisma do Ocidente, isto é, o surgimento de dois papas, um em Roma e outro em A vignon, aos quais se somaria um terceiro. A reunificação só ocorre no Concílio de Constança (1414-1418), mas, dessa vez, o papa vê seus poderes reduzidos frente ao colégio dos bispos. A cristandade desagrega-se, e a Igreja deixa de ser a au­toridade incontestável.

Esses conflitos manifestam-se também nas universida­des, onde ingressam, sob a autorização do papa, as cha­madas ordens mendicantes, isto é, os franciscanos e os dominicanos. A Ordem dos Franciscanos desenvolveu­-se no século XIII, mesmo a contragosto de seu fundador, São Francisco de Assis (1182-1228), para quem a Igreja deveria retomar a simplicidade e a humildade dos tem­pos iniciais. Na mesma época, surge a Ordem dos Dominicanos, fundada por São Domingos (c.1170-1221) com objetivo de defender a ortodoxia contra as heresias.

O ingresso dessas ordens nas universidades represen­ta a retomada de controle pelo papado, a fim de salva­guardar a ortodoxia contra os “dialéticosfl. É nesse senti­do que devem ser entendidos os ataques de Santo Tomás, um dominicano, aos averroÍstas. Mas o aristotelismo de Santo Tomás também é suspeito, e a ele se opõe o franciscano São Boaventura, que igualmente combate os mestres  dialéticos".