IDEOLOGIA
E ALIENAÇÃO
|
‘
“O fenômeno de alienação, de externalidade, de ‘participação’
extrema sem individualização e de separação entre o intelecto e o sentimento,
características do nosso tipo de cultura presente, levam à esquizofrenia
coletiva.”
(Erich Fromm)
Quando se fala em
ideologia, o que nos vem logo à mente? Um sistema de idéias. E, sem dúvida, não
deixa de ser. Se digo: “tenho uma ideologia”, “fulano não tem ideologia”, “a
ideologia do partido”, estou me referindo, geralmente, a um ideal concretizado
na sistematização de algumas idéias.
Entretanto, na
visão marxista, a palavra ideologia tem um sentido mais profundo e nos mostra
que, normalmente, as idéias cristalizadas em sistemas que governam as
sociedades nada mais são do que urna ocultação da realidade.
Segundo a
concepção dialética, o homem só se realiza na sua práxis. Fora dela, ele é um
alienado. E o propósito das ideologias costuma ser, exatamente, alienar o
homem.
Na verdade, a
ideologia concerne à consciência, mas é, realmente, inconsciente.
Geralmente,
elaboramos um sistema de idéias para explicar uma realidade social, mas, na
verdade, é a realidade que explica aquela sistematização de determinadas
idéias. Vejamos: quando nascemos, encontramos um mundo que se nos apresenta
como um mapa onde tudo já está explicitado e determinado. Existem zona
“proibidas”, regras sagradas, os “pode” e “não pode”.
Desde cedo, os
chamados “aparelhos ideológicos do Estado”, como a família, a escola, a Igreja,
os partidos políticos, colocam em nossa cabeça certa “visão de mundo”, certas
explicações a respeito de tudo, como se fossem verdades inquestionáveis.
Por que aceitamos
que haja uma moral para o homem e outra para a mulher? Por que há sociedades em
que as mulheres aceitam a barbaridade de serem mutiladas, na infância, para
nunca sentirem prazer? Como o trabalhador aceita uma situação em que ele mal
ganha para sobreviver, enquanto o patrão se enriquece cada vez mais? Como não
percebe o absurdo das classes sociais, em que uma vive da exploração e da
dominação de outras? Por que uma realidade social é conservada? Como explicar
que uma realidade, às vezes até cruel, seja aceita como “normal” e “natural”?
Como entender a
existência de uma antena parabólica em uma casa de favela, onde falta o
essencial? Por que as crianças choram por um Papai Noel que não veio? Por que
as pessoas miseráveis contemplam, maravilhadas, vitrines repletas de produtos
que lhe são inteiramente inacessíveis?
Por que as
pessoas se colocam como cordeiros diante de uma situação tão revoltante?
Aí somos
remetidos exatamente à questão da ideologia, que é o obscurecimento da
realidade para favorecer uma determinada classe dominante. As pessoas aceitam
situações tão revoltantes corno naturais porque foram condicionadas, desde
cedo, a verem-nas como “certas”.
E o problema da
ideologia é tão sério, o trabalho de condicionamento é tão bem feito e tão
antigo, que os próprios membros da classe dominante acham muito natural: “as
coisas são assim mesmo”, “alguns nascem para ser pobres”, “quem nasceu para
cangalha não chega à sela”, etc. E existem mil maneiras de alienar o homem.
Por que um pobre
coitado chega em casa às 23 horas e se levanta às 4 e apenas trabalha e não
pára, um só minuto, para pensar no absurdo desta situação? Porque sua mente já
foi bem trabalhada e ele dá “graças a Deus” porque ainda tem trabalho e pode
comer...
Mas, além de
alienado da verdadeira realidade, o homem, cada vez mais, se aliena de si
próprio, de sua verdade e de seu trabalho.
Sem dúvida
alguma, como dizia Marx, é no trabalho que o homem se realiza como homem. Mas
num trabalho automático, sem criatividade alguma, que ele detesta?
São os homens que
criam as relações sociais. E é daí que temos de partir para compreender a
maneira como agem e pensam de determinadas formas. Também eles são os que dão
sentido a tais relações e as conservam ou transformam. E são eles, pelo próprio
movimento da história.., que procuram fixar determinadas relações em
instituições que, por sua vez, vão perpetuar estas relações.
Através da ideologia,
os homens procuram “legitimar” condições dc exploração, dominação e injustiça.
E não podemos nos
esquecer que toda prática social tem como ponto de partida a ideologia. Ela
impregna tudo, até a própria ciência. Por isso é preciso cuidado ao filosofar,
porque, sem o percebermos, podemos estar sendo governados pela ideologia,
idéias que, “a priori”, já estão estabelecidas em nossas mentes. Podemos, sem
querer, estar fazendo o jogo do poder desde o momento cm que levantamos as
questões que vão dirigir o nosso filosofar...
Resumindo
— Ideologia é um sistema de idéias para explicar a realidade;
— A ideologia, geralmente, oculta a verdadeira realidade para
favorecer a alguns;
— Os homens aceitam uma realidade absurda e injusta porque são
alienados;
— A ideologia governa toda a ação e todo o pensar.
Perguntas para orientação de trabalhos
1. Após a leitura do texto, defina ideologia e alienação da
maneira como compreendeu.
2. Qual o interesse de se esconder a realidade?
3. Quais os perigos da alienação?
4. Leia o texto abaixo, de nossa autoria, e, em cima dele,
discuta a questão da ideologia e da alienação:
“Eu sou o Zé. Zé
qualquer coisa. Meu trabalho é uma mercadoria que eu vendo. Não tem nada a ver
com o meu pensar. Nele eu me despersonalizo.
Meu colega é meu
rival que, potencialmente, se multiplica por todos aqueles que podem me
substituir.
Eu estou só na
luta pela vida.
Dizem que os
homens são iguais. Dizem, também, que é o esforço, a dedicação e a tenacidade
que fazem de uns mais bem sucedidos que outros. E eu luto para demonstrar que
sou bom naquilo que faço. Luto por uma vida mais digna, que não alcanço nunca.
Se só o trabalho pudesse melhorar a vida de alguém, meus filhos teriam
calçados, roupas, remédios, médico, dentista, escola e boa alimentação. E nós
teríamos uma casa limpa e sólida para viver.
Eu sou o Zé. O Zé
que constrói pontes, edifícios, barragens, clubes; que limpa ruas, arruma os
jardins; aquele que trabalha na fábrica de automóveis, de eletrodomésticos, de
tecidos. Mas que não tem acesso a nada do que faz...
Eu sou o Zé que
torna possível a vida de muitos, mas com quem ninguém se importa. E que,
qualquer dia desses, vai morrer na fila de um hospital público e ser jogado
numa vala comum...”
Texto 02
A ideologia
A alienação
social se exprime n uma “teoria” do conhecimento espontânea, formando o senso
comum da saciedade. Por seu intermédio, são imaginadas explicações e
justificativas para a realidade tal como é diretamente percebida e vivida.
Um exemplo desse
senso comum aparece no caso da “explicação” da pobreza, em que o pobre é pobre
por sua própria culpa (preguiça, ignorância) ou por vontade divina ou por
inferioridade natural. Esse senso comum social, na verdade, é o resultado de
uma elaboração intelectual sobre a realidade, feita pelos pensadores ou
intelectuais da sociedade — sacerdotes, filósofos, cientistas, professores,
escritores, jornalistas, artistas —, que descrevem e explicam o mundo a partir
do ponto de vista da classe dominante de sua sociedade. Essa elaboração
intelectual incorporada pelo senso comum social és Ideologia, Por meio dela, o
ponto de vista, as opiniões e as idéias de uma das classes sociais — a
dominantes dirigente — tornam-se aponto de vista e a opinião de todas as
classes e de toda a sociedade.
A função principal
da ideologia é ocultara dissimularas divisões sociais e políticas, dando-lhes a
aparência de indivisão social e de diferenças naturais entre os seres humanos,
Indivisão: apesar da divisão social das classes, somos levados a crer que somos
todos iguais porque participamos da idéia de “humanidade”, ou da idéia de
“nação” e “pátria”, ou da idéia de “raça”, etc, Diferenças naturais: somos
levados a crer que as desigualdades sociais, econômicas e políticas não são
produzidas pela divisão social das classes, mas por diferenças individuais dos
talentos e das capacidades, da inteligência, da força de vontade maior ou
menor, etc.
A produção
ideológica da ilusão social tem como finalidade fazer com que todas as classes
sociais aceitem as condições em que vivem, julgando-as naturais, normais,
corretas, justas, sem pretender transformá-las ou conhecê-las realmente, sem
Levarem conta que há uma contradição profunda entre as condições realcem que
vivemos e as idéias.
Por exemplo, a
ideologia afirma que somos todos cidadãos e, portanto, temos todos os mesmos
direitos sociais, econômicos, políticos e culturais. No entanto, sabemos que
isso não acontece de fato: as crianças de rua não têm direitos; os idosos não
têm direitos; os direitos culturais das crianças nas escolas públicas é
inferior aos das crianças que estão em escolas particulares, pois o ensino não
é de mesma qualidade em ambas; os negros e índios são discriminados como
inferiores; os homossexuais são perseguidos como pervertidos, etc.
A maioria, porém,
acredita que o fato de ser eleitor, pagaras dívidas e contribuir com os
impostos já nos faz cidadãos, sem considerar
condições concretas que fazem alguns serem mais cidadãos do que
outros. A função da ideologia é impedir-nos de pensar nessa coisa.
Os procedimentos da ideologia
Como procede a
ideologia para obter esse fantástico resultado? Em primeiro lugar, opera por
inversão, isto é, coloca os efeitos no lugar das causas e transforma estas
últimas em efeitos, El a opera como o
inconsciente: este fabrica imagens e sintomas; aquela fabrica idéias e falsas
causalidades.
Por exemplo, o
senso comum social afirma que a mulher é um ser frágil, sensitivo, intuitivo,
feito para as doçuras do lar e da maternidade e que, por isso, foi destinada,
por natureza, para a vida doméstica, o cuidado do marido e da família. Assim, o “ser feminino” é
colocado como causa da “função social feminina”,
Ora,
historicamente, o que ocorreu foi exatamente o contrário: na divisão
sexual-social do trabalho e na divisão dos poderes no interior da família,
atribuiu-se à mulher um do que outros. A função da ideologia é impedir-nos de
pensar nessas coisas.
lugar levando-se em conta o lugar masculino; como este era
alugar do domínio, da autoridades do poder, deu-se à mulher o lugar subordinado
e auxiliar, a função complementar e, visto que o número de braços para o
trabalho e para a guerra aumentava o poderio do chefe da família e chefe
militar, a função reprodutora da mulher tornou-se imprescindível, trazendo como
conseqüência sua designação prioritária paras maternidade.
Estabelecidas
essas condições sociais, era preciso persuadir as mulheres de que seu lugar e
sua função não provinham do modo de organização social, mas da natureza, e eram
excelentes e desejáveis. Para isso, montou-se a ideologia do “ser feminino” e
da “função feminina” como naturais e não como históricos e sociais. Como se
observa, uma vez implantada uma ideologia, passamos a tomar os efeitos pelas
causas.
A segunda maneira
de operar da ideologia é a produção do imaginário social, por meio da
imaginação reprodutora. Recolhendo as imagens diretas e imediatas ria
experiência social (isto é, do modo como vivemos as relações sociais), a
ideologia as reproduz, mas transformando-as num conjunto coerente, lógico e
Sistemático de idéias que funcionam em dois registros: como representações da
realidade (sistema explicativo ou teórico) e como normas e regras de conduta e
comportamento (sistema prescritivo de normas e valores). Representações, normas
e valores formam um tecido de imagens que explicam toda a realidade e
prescrevem para toda a sociedade que ela
deve e corno neve pensar, falar, sentir e agir, A ideologia assegura, a todos,
modos de entender a realidade e de se comportar nela ou diante dela, eliminando
dúvidas, ansiedades, angústias, admirações, ocultando as contradições da vida
social, bem como as contradições entre esta e as idéias que supostamente a
explicam e controlam.
Enfim, uma
terceira maneira de operação da ideologia é ouso do silêncio. Um imaginário
social se parece com uma frase onde nem tudo é dito, nem pode ser dito, porque,
se tudo fosse dito, a frase perderia a coerência, tornar-se-ia incoerente e
contraditória e ninguém acreditaria nela. A coerência e a unidade do imaginário
social ou ideologia vêm, portanto, do que é silenciado.
Por exemplo,a
ideologia afirma que o adultério feminino é crime (tanto assim que homens que
matam a esposa e o amante dela são considerados inocentes porque praticaram um
ato “em nome da honra”), que a virgindade feminina é preciosa e que o homossexualismo
é uma perversão e uma doença grave (tão grave que, para alguns, Deus resolveu
punir os homossexuais enviando a peste, isto é, a Aids).
O que está sendo silenciado pela ideologia? Os motivos pelos
quais, era nossa sociedade, o vínculo entre sexo e procriação é tão importante
(coisa que não acontece em todas as sociedades, mas apenas em algumas, como a
nossa). Nossa sociedade exige a procriação legítima e legal — a que se realiza
pelos laços docasamento- porque ela garante, para a classe dominante, a
transmissãodocapital aos herdeiros. Assim sendo,o adultério feminino e a perda
da virgindade são perigosos para o capital e para a transmissão legal da
riqueza,por isso,oprimeiro se torna crime e a segunda é valorizado como virtude
suprema das mulheres jovens.
Em nossa
sociedade, a reprodução da força de trabalho se faz pelo aumento do número de
trabalhadores e, portanto, a procriação é considerada fundamental para o
aumento do capital que precisa da mão-de-obra. Por esse motivo, toda
sexualidade que não se realizar com finalidade reprodutiva será considerada
anormal, perversa e doentia, donde a condenação do homossexualismo.
A ideologia
perderia sua força e coerência se dissesse essas coisas e por isso as silencia.
Ideologia
e inconsciente
A ideologia se
assemelhas alguns aspectos do inconsciente psicanalítico. Há, pelo menos, três
semelhanças principais entre eles:
1.0 fato de que adotamos crenças, opiniões, idéias sem saber de
onde vieram, sem pensarem suas causas e motivos, sem avaliar se são ou não
coerentes e verdadeiras;
2. ideologia e inconsciente operam através cio imaginário (as
representações e regras saídas da experiência imediata) e do silêncio,
realizando-se indiretamente perante a consciência. Falamos, agimos, pensam os,
temos comportamentos e práticas que nos parecem perfeitamente naturais e
racionais porque a sociedade os repete, os aceita, os incute em nós pela
família, pela escola, pelos livros, pelos meios de comunicação, pelas relações
de trabalho, pelas práticas políticas. Um véu de imagens estabelecidas
interpõe-se entre nossa consciência e a realidade;
3. inconscientes ideologia não são deliberações voluntárias.
0 inconsciente preciso de imagens, substitutos, sonhos, lapsos
atos falhos, sintomas, sublimação para manifestar-se e, ao mesmo tempo,
esconder-se da consciência. A ideologia precisa das idéias-imagens, da inversão
de causas e efeitos, do silêncio para manifestar os interesses da classes
dominantes escondê-los como interesse de uma única classe social.
Texto 03
Outras
concepções de ideologia
O termo ideologia
possui vários significados além do exposto neste capítulo. Sentido originário:
ideologia é uma palavra criada por Destutt de Tracy, em 1801 quando em seu
livro Projeto de elementos de ideologia empregou-a como ciência que tem por
objeto o estudo das idéias (fatos da consciência). Karl Marx e Friedrich Engels
deram-lhe sentido político, em meados do século XIX.
• Sentido pejorativo: ideologia corresponde a idéias que se
encontram deslocadas em relação aos fatos reais; pode ser confundida com
mentira ou utopia. Daí o termo ideólogo referir-se àquele que voa em seu
pensamento, sonha com uma sociedade em outras bases. Quando o pensamento
teórico se desenvolve sobre os próprios dados e dificulta sua aplicação, Impedindo
uma explicação clara do real, também pode ser entendido no sentido pejorativo.
• Sentido doutrinário: Ideologia é entendida como o conjunto de
Idéias que exerce Influência sobre grupos sociais e legítima formas de ação.
Nesse sentido, a ideologia procura convencer para ganhar adeptos a doutrinas
políticas, econômicas, filosóficas, religiosas, morais, que Inspiram governos e
partidos políticos, por exemplo.
Principais
características da ideologia
*Prescrição de normas: a ideologia prescreve normas para a
conduta humana e, por isso, tende a manter a ordem social. No entanto, essa
mesma característica instiga os homens à ação, provando que a ideologia não se
compõe de idéias abstratos ou desligadas do real, mas de idéias e
representações que se concretizam e movem os interesses dos homens, tanto para
a manutenção quanto para a transformação da realidade.
*Representação social: a Ideologia tem a capacidade de
representara realidade, criando imagens e conceitos que dão significado às
relações sociais objetivas. Ela trabalha com símbolos e criações mentais. Um
exemplo é a concepção de pátria-mãe, que conota proteção e amparo a todos os
cidadãos, como se não existissem diferenças de tratamento e assistência aos
problemas sociais:menor, mãe solteira, Invalidez por doença, desemprego,
mendicância, crime e marginalidade, favelização, para citar alguns.
• Generalização do particular: a Ideologia Ignora as
Especificidades dos fenômenos sociais. Trata de forma generalizada as
diferentes realidades da família, da pátria, da educação, do trabalho,
ocultando as condições sociais desiguais de realização dos objetivos a que os
homens se propõem.
• Discurso lacunar: a Ideologia apresenta molas-verdades, Embora
lacunar, o seu discurso é coerente. A afirmação “o salário mínimo atende ás
necessidades básicas de uma família é um exemplo de discurso ideológico.
• Explicação da realidade: a Ideologia explica o que acontece, a
partir do ponto de vista dos que dominam. Tende a Justificar posições sociais
privilegiadas o impede, multas vezes, que autoridades políticas, econômicas,
religiosas, científicas sejam questionadas. Nesse sentido, prevalece a opinião
do deputado, do ministro, do religioso, do pesquisador, do Intelectual, como
porta-vozes da verdade. É o argumento da autoridade.
• Inversão da realidade: a ideologia detém-se nos efeitos dos
fenômenos, encobrindo suas causas. Não é raro, por exemplo, as reivindicações
populares por melhores condições de vida e de trabalho serem rotuladas como um
problema de “.falta de cultura”, ou a fome de parcela significativa da
população brasileira ser explicado pela falto do hábito de plantar de nosso
povo.
• Alienação: a Ideologia produz um afastamento do produtor em
relação a seu produto, Impedindo-o de achar significado em seu trabalho. A
alienação projeta-se, também, em outras dimensões da vida, Instalando o
conformismo e a indiferença diante de determinadas situações sociais.
• Fetichização da mercadoria: a mercadoria fetichizada exerce
domínio sobre o produtor e fascínio sobre o consumidor como se tivesse vida
própria, Imprime força às ações de troca social. A ideologia vale-se desse
processo e transforma as relações entre os homens em relações entre coisas.
Desse modo, quando trocamos dinheiro por algum objeto, geralmente não
percebemos as relações sociais contidas na mercadoria.
• Retificação: a ideologia faz as qualidades das coisas
aparecerem como seus atributos naturais. Assim, reificadas (coisificadas), as
relações de trabalho, por exemplo, são valorizadas na forma de salários. A
reificação dá vida humanizada a coisas inertes, sem deixar transparecer as
relações sociais que as sustentam, como nesta afirmação: “A empresa julgou
improcedente a solicitação do sindicato”,
• Naturalização: a ideologia naturaliza as ações humanas, como a
discriminação contra índios, por exemplo, para que aceitemos as desigualdades
sociais e justifiquemos o fato de “sempre’ ter existido violência contra eles.
Aponta a verdade como Inscrita na ordem das coisas, considerando uma ordem
natural de acontecimentos em detrimento do processo histórico. Nesse
raciocínio, é considerada “natural” a dominação de um grupo ou classe social
sobre outro, o a hierarquia aparece como necessária.
• homogeneização: a Ideologia homogeneíza a aparência das
classes sociais originalmente divididas em razão do antagonismo de Interesses
no processo de produção e na repartição dos bens. A Ideologia apresenta-nos uma
realidade sem conflitos o som contradições. Aposta na integração social, por
exemplo, referindo-se ao progresso material como “fruto do trabalho de todos”.
• Ocultação: a ideologia prima por ocultar o verdadeiro
conhecimento da realidade. Dado a Inter-relação de suas característicos, a
Ideologia tende a esconder as Intenções predominantes nas ações, mascarando a
existência de contradições na convivência social. Assim, elo é parcial, deixa
opaca a realidade e auxilia a dominação. A Ideologia escamoteia a essência dos
fenômenos, deixando ver apenas sua aparência. Em seu discurso, por exemplo, a
ideologia pre serva a imagem de certas personalidades ao superestimar seus
feitos pessoais nos acontecimentos históricos, A narrativa desses fatos é o que
chamamos de “história oficial”.
A GENERALIZAÇÃO DO PARTICULAR
A pátria é um
fenômeno vivido em um tempo e espaço determinados, mas generalizado em sua
concepção. É mediante opiniões cristalizadas pela cultura sobre diferentes
situações sociais que pensamos ter uma participação social plena. O amor
pátrio, por exemplo, é idealizado corno se vivêssemos fraternalmente e
usufruíssemos, por igual, o território nacional. A pátria é um fato inegável:
existe e se impõe. No entanto, sob a denominação de pátria, muitos conflitos se
escondem. Não há como desconhecer as condições desiguais de vida e de trabalho
da população.
Generalizar ou
universalizar o que é particular é uma elas artimanhas da ideologia. Ela
Orienta e legitima a ação dos homens na história, por intermédio ele realidades
genéricas que chamamos universais, tais como Pátria, Família, Nação, Ciência,
Igreja, Estado, Escola. Nascidas de situações concretas que atendem às
necessidades humanas, essas idéias genéricas ordenam a sociedade. E com elas
que os homens constroem o imaginário social um conjunto coerente e sistemático
de imagens e representações culturais, econômicas e políticas capaz de explicar
e justificar a realidade.
A grande família
da pátria ou a família constituída de pai, mãe e filhos são denominações
genéricas que idealizam os laços pátrios e familiares.Ao emprega-las, a
ideologia esconde e justifica especificidades da realidade social. Encobre, por
exemplo, a diversidade de relacionamentos familiares na sociedade atual, que
vão desde laços extensivos de sangue até a situação de pessoas agregadas
vivendo sob o mesmo teto. A ideologia procede do mesmo modo em relação à
Pátria, à Família, ao Estado.
Os universais são
formas de vivencia social que já não se identificam com as manifestações
particulares, seja da Família, da Pátria, da Escola, do Estado. A maneira pela
qual essas entidades são organizadas torna-as diferentes das partes que as
compõem. Ganham autonomia em relação aos indivíduos que as integram, segundo o
filósofo Herbert Marcuse. Essa independência, embora real, não é legítima, pois
são poderes particulares que se encarregam de organizar as esferas do social.
O Estado, por
exemplo, constitui uma”comunidade ilusória’’, no dizer de Marilena Chauí, porque
organiza, os interesses específicos ele
grupos e frações das classes dominantes como se tossem os interesses de todos.
O chamado ‘‘Estado do bem-estar social’’parece uma entidade separada dos
interesses dos grupos que têm acesso ao poder político. Contudo, sabemos que
esses interesses são os que levam o Estado a agir.
Abrigados sob o
signo ela representatividade social neutra, os universais contêm interesses
competidores e formas de dominação e espoliação. Sobrepõem—se às instituições
ou a indivíduos a elas subordinados, fazendo—os porta—vozes das influências e
interesses dominantes. Assim, na função de presidente, senador, deputado, juiz,
governador, prefeito, vereador, diretor, indivíduos se servem dessas entidades,
agem como “representantes” da Nação, elo Partido, do Congresso, do Tribunal, do
Estado, do Município, da Empresa, da Escola. As leis elaboradas, as nomeações
efetuadas, os impostos cobrados, os salários fixados expressam, algumas vezes,
a ação de lobbies — grupos com interesses próprios que, nas instâncias de
poder, tentam impor suas reivindicações, que tanto podem ser a garantia ele
direitos ao trabalhador quanto a defesa dos proprietários do capital.
Universalizar
ou generalizar o particular é uma das características da ideologia, que
oculta, assim, as especificidades do real.
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O
DISCURSO LACUNAR
A ideologia
emerge das instituições em geral — escola, família, Estado, religião, empresas,
associações para fins diversos —, as quais estabelecem normas para as relações
sociais. Por meio de agentes definidos - políticos, professores, patrões, pais,
padres e pastores —, a ideologia manifesta seu discurso a funcionários, alunos,
empregados, filhos e leigos. Fala sobre as coisas, as situações,
interpretando—as.
Como uma máscara,
a ideologia encobre o conhecimento, retardando-o. Não deixa ver a realidade
como é de fato.Vivemos mergulhados em ideologia e não nos damos conta disso.
Ora acatamos a ideologia, ora resistimos a aceita-la. A partir dela pensamos,
embora nem sempre pensemos sobre ela. Integra o nosso dia-a-dia, justificando
as posições que assumimos e as exigências e possibilidades dos grupos, classes
ou nações. Por isso, C comum ouvirmos as expressões: ‘‘Sabe coto quem está
falando?’’ ou “É assim mesmo este país
não tem jeito...”. Como um código de interpretação do inundo, a
ideologia lê a trama dos interesses em jogo, dando-nos soa visão do conjunto
das relações sociais. Culturalmente, é considerada ,uma mundivisão conjunto de representações do inundo e do
lugar do homem no mundo.
A ideologia é,
pois., um processo de embaralhar o conhecimento, operando de modo
contraditório. Atua no sentido do conhecer e do desconhecer, jamais explica
tudo. Apenas pretende que nos contentemos com meias verdades.Vejamos alguns
exemplos disso, selecionados de livros didáticos por Ana L.úcia G. de Faria:
“O homem modifica a natureza para o bem de outros homens.”
“Os índios viviam quase da mesma maneira que os homens das
cavernas. Até hoje vivem assim. Não conhecem o progresso nem precisam dele.”
“Gente de outros lugares também quis vir para o Brasil: o
italiano, o alemão, o japonês e muitos outros.”
Será mesmo que a
natureza, apropriada e transformada pelo homem, beneficia os outros homens?
Teriam os índios brasileiros dispensado a “civilização” ou foram por ela
dispensados? Que contexto histórico do capitalismo provocou a vinda de tantos
migrantes estrangeiros para o nosso país, no final do século passado?
Os argumentos da
ideologia são envolventes e convincentes, mas cheios de vazios — trata—se do
discurso lacunar, segundo Marilena Chauí. Esse discurso não fornece as
explicações verdadeiras. Permanece na constatação dos fatos, não analisa as
suas causas e camufla as intenções predominantes em determinadas situações. Sem
esclarecer a realidade das condições sociais, a ideologia justifica por que a
sociedade é assim e não de outro modo. Valendo—se de explicações dos
dominadores, a ideologia reduz as experiências históricas dos grupos sociais
subalternos, minimizando suas conquistas e dificultando a busca de
alternativas.
O modo de
produzir a subsistência condiciona o pensar e o agir sociais. Os homens são o
resultado de suas próprias relações sociais, independentes da sua vontade. Para
Karl Marx, essas relações são históricas, necessárias e determinadas. No famoso
prefacio à obra Para a crítica da economia política, escrito em janeiro de
1559, em Londres, e publicado pela primeira vez em língua portuguesa em 1977,
ele afirmava:
‘0
conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da
sociedade, a base concreta sobre a qual se apóia uma superestrutura jurídica e
política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O
modo do produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social,
política e Intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o
seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência.”
Marx
resgatou o fenômeno ideologia da concepção que o prendia ao âmbito das idéias,
como se elas nascessem independentemente das ações dos homens. Ao inverter o
raciocínio, ele mostrou que, a partir das condições concretas sob as quais
ocorrem as relações entre os homens, tudo é produzido, inclusive o pensamento.
A ideologia nasce da dificuldade que os homens têm para explicar as condições
de sua existência social. Ela facilita a aceitação dessa realidade desigual, de
exploração e de exclusão social, ao legitimar determinadas posições políticas e
ao justificar as práticas sociais dos poderosos.
Como
já dissemos, a ideologia dispõe de esquemas explicativos da realidade a partir
do ponto de vista dos que dominam, ou porque ocupam postos de mando, ou porque
detêm informações. Decorre daí a força do discurso político, econômico, ou
mesmo jurídico.
Sem
deixar que os sujeitos envolvidos nas ações se manifestem espontaneamente, a
ideologia abafa a essência dos acontecimentos (discurso das coisas),
valorizando a aparência dos acontecimentos, a interpretação (discurso sobre as
coisas). Por exemplo, quando se trata de educação, a ideologia pode não dar vez
ao discurso dos alunos, às suas reivindicações. Mas pode dar voz aos mestres,
que veiculam o discurso sobre a pedagogia, a teoria e o método de ensinar. Esse
é o pensamento do filósofo Claude Lefort, para quem a ideologia toma o lugar do
verdadeiro saber. Ela produz representações do real e sugere normas para o
agir, no sentido conselheiro do “deve ser assim”. Nascem, desse modo,
prescrições de comportamento social, que fornecem o tom oficial do discurso das
instituições, como nos casos: “A Escola cabe fornecer os fundamentos do saber
especializado”; “O Estado deve suprir as carências sociais”;”A Família tem por
dever criar e educar as crianças”.
Vivemos no mundo
maciçamente reificado do capitalismo do capitalismo onde os elementos
qualitativos, como a mão-de-obra, são quantificados em preço, custo,
rendimento. Por exemplo, quando ocorrem greves, são calculadas as perdas, em
dinheiro, que aquelas horas não-rabalhadas acarretaram ao processo produtivo.
As dificuldades dos trabalhadores são levantadas apenas pelos próprios, quando
se organizam em sindicatos e associações de defesa. É o domínio do material
sobre o humano. É o reinado das coisas “humanizadas” Damos vida a entidades
sociais ao dizermos:
“A nação está
mobilizada”;”o povo foi enganado”“O Brasil ganhou a Copa do Mundo”; “A pátria
foi ultrajada”.
A ideologia
manifesta-se por meio da mercadoria fetichizada, que fhz as relações entre
os homens
parecerem relações entre coisas.
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A DOMINAÇÃO PELA IDEOLOGIA
O poder atinge e
modifica todos os níveis de relação social. Está presente nas relações entre
sexo, empresas, classes, grupos que detêm o poder político e assume diversas
formas e métodos para manter esse poder :violência, coação, pressão,
propaganda, persuasão, A dominação tem na ideologia um recurso para suavizar a
imposição social. Ela justifica a dominação/subordinação. A sujeição a um
grupo, ou a admissão da supremacia de unia etnia sobre Outra, ou a aceitação de
uma doutrina (política ou religiosa) como “a verdade” acontece na medida em que
as classes sociais justificam o seu ter, o Seu fazer, o seu ser social.
A
classe dominante impõe a sua visão de mundo como “a realidade” dos fitos. Mas ela também é
influenciada pela ideologia. Ao universalizar, ir a particularidade de sua
posição social, a classe dominante aceita como “natural” a Sua dominação, a tal
ponto que a ordem estabelecida (establishment) não lhe parece ser ideologia.
Prevalecem, pois, os interesses dos que dominam, seja na aplicação das leis,
seja mio uso e investimento dos recursos públicos.
Nesta
era da racionalidade tecnológica, a ciência e a técnica têm facilitado novas
formas de dominação, legitimando-as. Ambas impõem—se como ideologia, segundo o
filósofo A ciência moderna gera um saber tecnicamente manipulável, destinado a
fins políticos e pragmáticos. Desse modo, cresceu a interdependência entre
ciência e técnica, aumentou a ação intervencionista do Estado na economia
e:ocorreu a despolitização das massas. Pelo avanço técnico-científico, o
progresso material é alcançado e tem alimentado a ideologia do desenvolvimento
das nações.
A
indústria publicitária, por exemplo, usa métodos persuasivos para anunciar
roupas, aparelhos eletrônicos, ou mesmo alimentos. Cria um ambiente propício
para o consumidor identificar—se e, assim, desejar possuir algo que satisfaça
sua necessidade de vestir—se, informar—se ou alimentar—se, ao mesmo tempo que,
supostamente, suprirá, também, alguma carência íntima, afetiva ou social. Na
prática, mais uma venda é realizada, e o consumidor não percebe o processo de
persuasão nela embutido.
A
ideologia é, então, o comprometimento da consciência social em proveito da
classe no poder. É um fenômeno tão complexo que até Aristóteles, um dos maiores
filósofos de todos os tempos,justificava a escravidão como necessária para o
bom funcionamento da organização social. O trabalho escravo possibilitava aos
cidadãos tempo livre para se dedicarem à política, à filosofia e às artes.
Enquanto os habitantes da polis (cidade) pensavam, os escravos trabalhavam.
‘As classes que detêm o poder político e econômico dominam,
também ideologicamente conforme diziam Marx e Engels As idéias da classe
dominante concentradas, por exemplo, na Constituição dos países. É o caso do
artigo 5º de nossa Constituição: todos são iguais perante a lei. Ele faz apenas
um reconhecimento teórico da igualdade social. Na pratica, sabendo que alguns
são “mais iguais”, que outros. Ora, como o artigo não faz essa distinção,
fica–nos a impressão de que