CENTRO
EDUCACIONAL 06- GAMA
DISCIPLINA
: FILOSOFIA
PROF:
DENYS F. DA COSTA
TEXTO
BASE PARA O ESTUDO DIRIGIDO 1º
ANO
TEXTO
01
FILOSOFIA
NA IDADE MÉDIA
O quarto e
último período do pensamento grego denomina-se religioso, porque o espírito
humano procura a solução integral do problema da vida na religião ou nas
religiões. O problema da vida é agudamente sentido, pelo fato de ser
profundamente sentido o problema do mal. Deste problema não se acha,
racionalmente, uma explicação plena, e, por conseguinte, se recorre à concepção
de uma queda arcana, original, do espírito, de um conseqüente encarceramento do
espírito no corpo, e de uma purificação e libertação ascética e mística. A
desconfiança do conhecimento racional impede à evasão para um conhecimento supra-racional,
imediato, intuitivo, místico, da realidade absoluta, para a revelação, o
êxtase. Assim, o pensamento grego, que partiu de uma religião - positiva -, e a
demoliu paulatina e criticamente nos grandes sistemas clássicos, volta, no seu
término, para a religião. Já não se trata, porém, da velha religião grega,
olímpica, homérica, absolutamente incapaz, devido aos seus limites
naturalistas, humanistas, políticos, de resolver os grandes problemas
transcendentes - do mal, da dor, da morte, do pecado - que nem sequer se
propõe. Trata-se, ao contrário, das religiões orientais, semitas, místicas,
mistério, filosóficas, especialmente propensas a estes problemas e fecundas em
soluções do mais vivo interesse.
No período
religioso permanecem os problemas do período ético, mas singularmente
acentuados; procura a solução mediante uma metafísica completada pela religião.
Tentar-se-á a síntese filosófica do dualismo platônico, do racionalismo
aristotélico, do monismo estóico, e mais precisamente do transcendente divino
platônico, do logos racional aristotélico, da alma estóica do mundo, em uma
forma de triteísmo, em uma característica espécie de trindade divina. Nesta
síntese metafísica prevalece o platonismo, com a sua radical separação entre o
mundo sensível e inteligível, com a sua extrema transcendência da divindade,
com a sua doutrina de uma queda original, com a sua religiosidade e o seu
misticismo. Mas na metafísica neoplatônico - obra-prima deste período religioso
- tal transcendência, característica do clássico dualismo grego, terminará no
monismo emanatista.
O último
período do pensamento grego abrange os primeiros cinco séculos da era vulgar:
substancialmente, a idade do império romano, de que a filosofia religiosa
neoplatônica forma como que a estruturação ideal; e também a idade da
patrística cristã, com que o neoplatonismo tem contatos, intercâmbio e
polêmicas. O centro deste movimento filosófico é Alexandria do Egito, capital
comercial, cultural, religiosa do mundo cosmopolita helenista-romano, encruzilhada
entre o Ocidente e o Oriente, sede do famoso Museu.
O sistema
metafísico predominante no período religioso é o neoplatonismo, e o seu maior
expoente é Plotino (III século d.C.), cuja vida e pensamento nos foram
transmitidos pelo discípulo Porfírio. O neoplatonismo, todavia, tem rumos
precursores nos primeiros séculos da era vulgar: 1 - oriental, em Filo de
Alexandria, que tenta a síntese do pensamento grego com a revelação hebraica,
interpretada à luz do pensamento grego, mas a este supra-ordenada; II -
ocidental, no novo pitagorismo, cujo maior representante é Apolônio de Tiana, e
no platonismo religioso, cujo maior expoente é Plutarco de Queronéia. E também
teve o neoplatonismo desenvolvimento nos últimos séculos do império romano: l.
- na assim chamada escola siríaca, cuja mais notável expressão é Jâmblico, e
exerceu também certa influência política com o imperador Juliano Apóstata; 2°.
- na chamada escola ateniense, cuja mais notável expressão é Proclo, que
sistematizou definitivamente e transmitiu aos pobres o pensamento neoplatônico.
Com a escola ateniense acaba, também historicamente, o pensamento grego, pelo
encerramento dessa escola ordenado por Justiniano imperador (529 d.C.).
Entretanto, o pensamento grego - o pensamento platônico, pelo menos - já tinha
sido assimilado pelo pensamento cristão patrística, e a sua parte vital tinha
sido adaptada e valorizada no
cristianismo.
TEXTO
02: PATRÍSTICA
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A patrística procurou
conciliar as verdades da revelação bíblica com as construções do pensamento
próprias da filosofia grega. A maior parte de suas obras foi escrita em grego
e latim, embora haja também muitos escritos doutrinários em aramaico e outras
línguas orientais.
Patrística é o corpo doutrinário que se constituiu com a
colaboração dos primeiros padres da igreja, veiculado em toda a literatura
cristã produzida entre os séculos II e VIII, exceto o Novo Testamento.
O conteúdo do Evangelho, no qual
se apoiava a fé cristã nos primórdios do cristianismo, era um saber de
salvação, revelado, não sustentado por uma filosofia. Na luta contra o
paganismo greco-romano e contra as heresias surgidas entre os próprios
cristãos, no entanto, os padres da igreja se viram compelidos a recorrer ao instrumento
de seus adversários, ou seja, o pensamento racional, nos moldes da filosofia
grega clássica, e por meio dele procuraram dar consistência lógica à doutrina
cristã.
O cristianismo romano atribuía
importância maior à fé; mas entre os padres da igreja oriental, cujo centro
era a Grécia, o papel desempenhado pela razão filosófica era muito mais amplo
e profundo. Os primeiros escritos patrísticos falavam de martírios, como A
paixão de Perpétua e Felicidade, escrito em Cartago por volta de 202, durante
o período em que sua autora, a nobre Perpétua, aguardava execução por se
recusar a renegar a fé cristã. Nos séculos II e III surgiram muitos relatos
apócrifos que romantizavam a vida de Cristo e os feitos dos apóstolos.
Em meados do século II, os cristãos
passaram a escrever para justificar sua obediência ao Império Romano e
combater as idéias gnósticas, que consideravam heréticas. Os principais
autores desse período foram são Justino mártir, professor cristão condenado à
morte em Roma por volta do ano 165; Taciano, inimigo da filosofia;
Atenágoras; e Teófilo de Antioquia. Entre os gnósticos, destacaram-se
Marcião, que rejeitava o judaísmo e considerava antitéticos o Antigo e o Novo
Testamento.
No século
III floresceram Orígenes, que elaborou o primeiro tratado coerente sobre as
principais doutrinas da teologia cristã e escreveu Contra Celsum e Sobre os
princípios; Clemente de
Alexandria, que
Os maiores
nomes da patrística latina foram santo Ambrósio, são Jerônimo (tradutor da
Bíblia para o latim) e santo Agostinho, este considerado o mais importante
filósofo em toda a patrística. Além de sistematizar as doutrinas fundamentais
do cristianismo, desenvolveu as teses que constituíram a base da filosofia
cristã durante muitos séculos. Os principais temas que abordou foram as relações
entre a fé e a razão, a natureza do conhecimento, o conceito de Deus e da
criação do mundo, a questão do mal e a filosofia da história.
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TEXTO 03
A Escolástica
(ou Escolasticismo) é uma linha dentro da filosofia medieval, de acentos
notadamente cristãos, surgida da necessidade de responder às exigências da fé,
ensinada pela Igreja, considerada então como a guardiã dos valores espirituais
e morais de toda a Cristandade. Por assim dizer, responsável pela unidade de
toda a Europa, que comungava da mesma fé.
A
Filosofia que até
então possuía traços marcadamente clássicos e helenísticos sofreu
influências da cultura judaica e cristã, a partir do século V, quando
pensadores cristãos perceberam a necessidade de aprofundar uma fé que estava
amadurecendo, em uma tentativa de harmonizá-la com as exigências do pensamento
filosófico. Alguns temas que antes não faziam parte do universo do pensamento
grego, tais como: Providência e Revelação Divina e Criação a partir
do nada passaram a fazer parte de temáticas filosóficas. A Escolástica
possui uma constante de natureza neoplatônica, que conciliava elementos
da filosofia de Platão com valores de
ordem espiritual, reinterpretadas pelo Ocidente cristão. E mesmo quando Tomás de Aquino
introduz elementos da filosofia de Aristóteles no
pensamento escolástico, esta constante neoplatônica ainda é presente.
Basicamente,
a questão chave que vai atravessar todo o pensamento escolástico é a
harmonização de duas esferas: a fé e a razão. O pensamento de Agostinho,
mais conservador, defende uma subordinação maior da razão em relação à fé, por
crer que esta venha restaurar a condição decaída da razão humana. Enquanto que
a linha de Tomás de Aquino defende uma certa autonomia da razão na obtenção de
respostas, por força da inovação do aristotelismo, apesar de em nenhum momento
negar tal subordinação da razão à fé. Para a Escolástica, algumas fontes eram
fundamentais no aprofundamento de sua reflexão, por exemplo os filósofos
antigos, as Sagradas Escrituras e os Padres da Igreja, autores dos primeiros
séculos cristãos que tinham sobre si a autoridade de fé e de santidade.
Os
maiores representantes do pensamento escolástico são os dois pensadores citados
acima, que estão separados pelo tempo e pelo espaço: Agostinho de Hipona,
nascido no norte da África no fim do século IV e Tomás de Aquino, nascido na
Itália do século XIII. Embora seja arriscado dizer que sejam as únicas
referências relevantes do período medieval, ambos conseguiram sintetizar
questões discutidas através de todo o período: Agostinho enquanto mestre de
opinião relevante e autoridade moral e Tomás de Aquino, pelo uso de caminhos
mais eficazes na obtenção de respostas até então em aberto.
TEXTO
04:
SANTO AGOSTINHO: A FÉ
REABILITA A RAZÃO
Oficialmente, o
cristianismo triunfa em 313, quando o imperador Constantino (c. 280-337), pelo
edito de Milão, concede liberdade de culto aos cristãos. Na prática, porém, o
cristianismo, com seus fiéis solidamente organizados sob a autoridade dos
padres, dos bispos e do papa, já possuía uma instituição bastante influente: a
Igreja (do grego ekklesía, isto é, "assembléia").
Mas a elevação
formal da Igreja de Roma a centro da cristandade acirrou também a disputa entre
as interpretações divergentes da mensagem de Jesus. No plano político, esse
confronto de opiniões seria resolvido no Concílio de Nicéia (325), convocado
por Constantino, e em outras reuniões do gênero, em que se estabeleceu a ortodoxia (literalmente, "opinião
correta") da doutrina cristã. Desse processo - do qual fizeram parte
violências contra os considerados hereges - resultou a Igreja Católica, que em
grego significa Igreja universal.
A consolidação da
ortodoxia exige, no entanto, mais do que um ato de poder que a decrete. Ela
também precisa ser convincente, apresentando-se não apenas como revelação mas
também como resultado de raciocínios. A filosofia patrística (dos santos
padres) representa, em algumas de suas
vertentes, esse esforço de munir a fé de argumentos racionais.Dentre os Santos
padres, Santo Agostinho é quem leva mias longe a conciliação entre a fé e a
razão: elabora a filosofia cristã, como ele a chamaria.
O Verbo em
cada um
A vida de
Santo Agostinho, minuciosamente narrada por ele próprio em Confissões, é quase uma demonstração, na prática, de seu pensamento:
experimentou o ceticismo quanto ao conhecimento, sofreu o abismo do homem em
pecado, reencontrou a esperança na graça divina, conheceu a felicidade e a
certeza da verdade na fé.
Agostinho nasceu
em 354 em Tagaste, na província romana de Numídia, na atual Argélia. Educou-se
em Cartago, onde se tornou professor de retórica. Mudou-se para Roma e, depois,
para Milão. Durante esse período, mostrou grande inquietação intelectual: leu
Cícero e uma versão latina de Categorias, de Aristóteles. Em seguida aderiu ao maniqueísmo, seita fundada pelo
sábio persa Mani (c. 215-276), baseada na crença de dois princípios absolutos
que regeriam o mundo: o Bem e o Mal.
Mais tarde,
desiludido com os maniqueus, conheceu as concepções da Academia platônica,
tomadas por um profundo ceticismo. Leu também PIotino, mas a influência
decisiva veio de Santo Ambrósio (c. 340-397), bispo de Milão, que indicaria a
Agostinho o caminho da fé. Por fim, converteu-se em 386.
Retirou-se para
sua terra natal e escreveu obras como Contra os Acadêmicos, Da Ordem e De Magistro. Ordenado padre de Hipona (na atual
Argélia), e, em 395, tornado bispo da cidade, passou a dedicar-se ao
sacerdócio, mas não parou de escrever. Confissões, Da Trindade e A Cidade de Deus são desse período. Ele morreu em 430, com Hipona cercada
por vândalos, um povo germano, que, junto com outros povos ditos
"bárbaros", aniquilava o Império Romano .
Os séculos IV e V,
em que Agostinho
vive, são uma época em que a filosofia, talvez com exceção do neoplatonismo de
PIotino, perdeu a confiança na razão. Mergulhada no ceticismo, ela duvida da
possibilidade do conhecimento da verdade. Cabe então a Agostinho restaurar a
certeza da razão, e isso, paradoxalmente, por meio da fé. Para ele, o
conhecimento da verdade é um fato, como provam as demonstrações matemáticas e
lógicas, irrefutáveis. Resta então saber como tal conhecimento é possível, qual
o seu aval.
O homem e seu
intelecto, mutáveis e perecíveis, não podem ser os avalistas do conhecimento,
pois a verdade deve ser eterna. Assim, a verdade só pode ser assegurada por
algo que se coloque acima dos homens e das coisas: Deus. Se a razão, na busca
de sua certeza, depara com a fé em Deus, é também a fé que permite resgatar a
dignidade da razão: "Compreender para crer, crer para compreender",
escreve ele.
Agostinho situa-se
na passagem do mundo greco-romano para a Idade Média, cujo valor preponderante
é o cristianismo. De certo modo, ele próprio representa essa passagem:
nutriu-se dos resquícios da cultura helenística para depois converter-se à fé cristã. Ao romper com o passado, introduzindo
uma noção de Deus alheia à filosofia
de até então, Agostinho o faz de um modo que caracteriza uma certa continuidade
da tradição filosófica.
A rigor, essa
continuidade é a confiança na razão, sem o que a filosofia nem sequer
existiria. Ao contrário de alguns representantes da filosofia patrística - como
Tertuliano (c. 155-220), célebre pela fórmula "creio porque é absurdo, a ele atribuída - , Agostinho
esforça-se por reabilitar a razão diante da fé. Ela serviria ao menos (mas não
só isso) Para demonstrar a necessidade do credo.
A continuidade também se manifesta nos
temas que Agostinho aborda: o universo e o princípio que o governa, a questão
da possibilidade do conhecimento/a ética e a política - mas revestidos da
ideologia cristã. Por exemplo, ele concorda com a Academia platônica de sua
época, para a qual nada há de comum entre as coisas e as palavras que as
designam, mas disso não conclui que o conhecimento só pode chegar ao provável.
Traduzindo a idéia estóica de que tudo participa do logos, que é corpóreo,
Agostinho afirma que o conhecimento é dado pela presença íntima, em cada homem,
do Verbo feito carne (Cristo), cuja verdade e certeza o ser humano expressa
por meio das palavras.
As cidades,
dos homens e de Deus
Para Agostinho,
Deus, como o Uno de PIotino é o transcendente absoluto, indizível pois nada se
compara à sua divina perfeição. Por isso, sua teologia (conhecimento a
respeito de Deus) é de caráter muito mais negativo do que ,afirmativo: "Se
não podeis" escreve, "compreender agora o que Deus é,compreendei ao
menos o que Ele.
Insondável acima
da razão humana, Deus é único mas também três: Pai é a essência divina
indizível; Filho é o Verbo e o Logos; Espírito Santo é o Amor divino que cria
tudo o que existe. A Trindade assemelha-se, em parte, às três hipóstases
idealizadas por Plotino: o próprio Uno, que é absolutamente transcendente; a
Inteligência que torna inteligíveis as coisas; e a Alma, que dá vida aos seres.
Feito à imagem e
semelhança de Deus, o homem reproduz nele mesmo a Trindade: a existência
(Pai), o conhecimento (Filho) e a vontade (Espírito Santo). A ordem do universo
também é análoga à Santíssima Trindade e manifesta-se de vários modos, sempre em tríades. O mundo, por
exemplo, constitui-se de coisas inanimadas,seres vivos e seres inteligentes,
que são os homens, por sua vez dotados de corpo, alma e espírito, e assim por
diante. A ordem do mundo é bela e boa, pois é criação de Deus. Isso significa
que o mal propriamente não existe: é apenas o afastamento em relação a Deus, o
que no homem se manifesta como pecado.
O pecado é a
subversão da bela e boa ordem criada por Deus, e aparece, por exemplo, quando a
alma se torna serva do corpo. O livre-arbítrio, a vontade humana é impotente
para buscar a salvação. O próprio Agostinho serve como testemunha disso, pois,
como narra em Confissões, não conseguia fugir do pecado, a salvação só lhe veio quando Deus assim
quis. Era um eleito, predestinado pela Vontade divina. Nesse sentido, para
Agostinho, a bondade e a caridade não são meios de salvação, pois tais atos são
resultado da eleição divina. Nesse aspecto, o pensamento agostiniano é radicalmente
contrário à tradição filosófica, que via na salvação (ou na felicidade) o
resultado do esforço do homem, pela filosofia. O Deus dos filósofos não é o
Deus cristão, e, se Agostinho percorre os caminhos da filosofia/ é para
reafirmar com maior vigor sua fé na onipotência de Deus.
A história da humanidade é a história do pecado do homem,
por livre-arbítrio, e a salvação de alguns predestinados, pela graça divina.
Os que pecam formam a cidade terrestre, que é o mundo dos homens. Essa cidade
não é necessariamente má, mas, governada pela vontade humana, tende para o
pecado e é de tempos em tempos castigada
por Deus – como foi o caso, por exemplo, do Dilúvio universal. Por outro lado, porém, em meio aos homens ergue-se aos poucos, mas de
modo firme, a cidade de Deus, construída pelos predestinados. Agostinho propõe
assim uma filosofia da história: a finalidade da história, que coincide com o
seu fim, é a vitória definitiva da Cidade de Deus, com o retorno do Messias e o
Juízo Final.
TEXTO
05 : SÃO TOMAS: UM CAMINHO ATÉ DEUS
Quem analisa as
provas da existência de Deus elaboradas por Santo Tomás de Aquino tem a
impressão de estar diante de um pensador extremamente racionalista. Ledo
engano. Ele é, acima de tudo, teólogo e religioso, para quem a
filosofia deve servir à fé. Não no sentido de auxilia-la, mas de submeter-se a
ela. Para Tomás, quando a fé e a razão entram em desacordo, é sempre esta que
se equivoca. A Igreja soube reconhecer essa intransigente defesa: em 1323,
Tomás de Aquino foi canonizado e, no século XIX, seu pensamento assumiu a
condição de doutrina oficial do catolicismo.
Para ele, não há conflito entre fé e
razão - a tal ponto que lhe é possível demonstrar a existência de Deus. Recusa
a solução apressada de Santo Anselmo, para quem Deus, sendo perfeito, deveria
ter como um de seus atributos perfeitos o da existência. Segundo Tomás de
Aquino, definir Deus como ser perfeito ainda não implica sua existência. A
definição é uma ideia, e nada garante que uma ideia possa existir na
realidade.
O ponto de partida, então, é o mundo
sensível, percebido pelos sentidos. Estes indicam que o mundo é dotado de
movimento. Mas, segundo Aristóteles, nada se move por si. A causa do movimento
deve ser causada e, se não se quiser estender a série das causas ao infinito (o
que não explicaria o movimento presente), é preciso admitir uma causa
absolutamente imóvel e primeira: Deus. O mesmo raciocínio vale para a causa em geral. As coisas são ou
causa ou efeito de outras, não sendo possível ser causa e efeito ao mesmo
tempo. Deve haver, então, ou uma sucessão infinita de causas - o que é absurdo
-, ou uma causa absolutamente primeira e não causada.
Os dados dos sentidos também mostram
que as coisas existem e perecem. Isso significa que a existência não lhes é
necessária, essencial mas apenas uma possibilidade contingente. Por isso, a
existência depende de uma causa, exatamente aquela que tenha a existência como
essência, uma existência necessária.
Além
disso, o mundo apresenta uma série de seres menos ou mais perfeitos e que são
comparados entre si de maneira relativa. Mas
como saber o que é mais perfeito do que outro se não houver um padrão a partir do qual
se possa medir os graus de perfeição? A hierarquia das coisas relativas depende
então de um ser que seja a medida absoluta e eterna da perfeição.
Por fim, essa
hierarquia apresenta-se como uma ordem, em que cada ser cumpre sua finalidade:
os seres vivos reproduzem-se constantemente, e os corpos sempre buscam o seu
lugar natural, mesmo que disso não tenham conhecimento. Se a finalidade de cada
ser é assim atingida, mesmo que inconscientemente, deve haver uma Inteligência
que conheça e organize o mundo de acordo com
sua finalidade.
Desse modo, a razão, por vários meios, atinge o conhecimento da
existência de Deus. A razão que demonstra e a fé que revela estão, por isso, em
acordo, sem que entre elas haja contradição. Ambas são modos diferentes pelos
quais se manifesta a mesma e única Verdade.
O homem, dono de seus atos
Tomás de Aquino concorda
com Aristóteles, segundo o qual o conhecimento racional provém inicialmente dos
sentidos. Da sensação, o intelecto abstrai a individualidade das coisas,
depurando-lhe a matéria. O resultado são as formas.
Para explicar a realização dessa operação, Tomás de
Aquino, retomando a versão árabe do aristotelismo, distingue dois tipos de
intelecto. O intelecto possível recebe dos sentidos as imagens das formas, que
ainda se encontram como potência. Sua passagem ao ato supõe uma causa: é o
intelecto agente, responsável pelo conhecimento efetivo das formas, atualizando
o que no intelecto possível só existia como potência.
A distinção desses
dois intelectos não obedece apenas ao estilo de Aristóteles. Na realidade, ela
é necessária do ponto de vista teológico. Se só Deus é ato puro, o intelecto
humano, para não se equiparar a ele, não pode ser somente ato, mas também a
imperfeição da potência.
O mesmo motivo
teológico está na base de uma sutil discussão sobre se o intelecto agente é o
mesmo em todos os homens. Para Avicena, cada homem tem o intelecto possível
na alma, mas o intelecto agente (ou Inteligência) lhe é transcendente.
Averróis - ou a interpretação que dele fazem seus numerosos adeptos - vai
além: tanto um intelecto como outro são únicos e estão separados da alma
humana.
Santo Tomás, no
entanto, não pode aceitar isso. Cada homem deve possuir um intelecto agente e
um intelecto possível, que constituem a sua alma individual, a forma de seu
corpo. Essa noção é necessária, pois só por ela se justifica o dogma cristão da
imortalidade da alma de cada indivíduo. Além disso, só a, individualidade da
alma faz conceber o homem como dono de seus próprios atos, isto é, o único
responsável pelo pecado. Sem essa responsabilidade individual, não haveria a moral
e muito menos a religião.
Embora tenha
aceitado diversos aspectos do pensamento de Averróis, Santo Tomás dele diverge
em questões que possam comprometer a doutrina cristã. Nesse sentido, torna-se
crucial o tema do intelecto não separado do homem e da individualidade da alma.
A
ESCOlÁSTICA CHEGA AO FIM
É com
Santo Tomás que a Escolástica conhece o apogeu. As universidades fervilham com
discussões acaloradas. Mas esse quadro, que à primeira vista pode parecer
animador, dá-se exatamente em meio às crises que levariam ao fim da Idade
Média.
O Sacro Império
Romano-Germânico está praticamente destruído. Por toda parte, as cidades
organizam-se de maneira autônoma. As monarquias, como a França e a Inglaterra,
passam a constituir Estados nacionais centralizados. Os constantes conflitos
entre o imperador e o papado, que se organiza como um verdadeiro Estado
monárquico supranacional, também enfraquecem o Império.
O papado, na
verdade, começa a disputar a hegemonia com os monarcas. Em 1309, sob a intervenção
do rei da França, a sede do papado é transferida de Roma à cidade francesa de
Avignon, e lá permanece até 1377.
A isso logo se segue o cisma do Ocidente, isto é, o
surgimento de dois papas, um em Roma e outro em A vignon, aos quais se somaria
um terceiro. A reunificação só ocorre no Concílio de Constança (1414-1418),
mas, dessa vez, o papa vê seus poderes reduzidos frente ao colégio dos bispos.
A cristandade desagrega-se, e a Igreja deixa de ser a autoridade
incontestável.
Esses conflitos
manifestam-se também nas universidades, onde ingressam, sob a autorização do
papa, as chamadas ordens mendicantes, isto é, os franciscanos e os
dominicanos. A Ordem dos Franciscanos desenvolveu-se no século XIII, mesmo a
contragosto de seu fundador, São Francisco de Assis (1182-1228), para quem a
Igreja deveria retomar a simplicidade e a humildade dos tempos iniciais. Na
mesma época, surge a Ordem dos Dominicanos, fundada por São Domingos
(c.1170-1221) com objetivo de defender a ortodoxia contra as heresias.
O ingresso dessas
ordens nas universidades representa a retomada de controle pelo papado, a fim
de salvaguardar a ortodoxia contra os “dialéticosfl. É nesse sentido que devem ser entendidos os ataques
de Santo Tomás, um dominicano, aos averroÍstas. Mas o aristotelismo de Santo
Tomás também é suspeito, e a ele se opõe o franciscano São Boaventura, que
igualmente combate os mestres “dialéticos".