segunda-feira, 29 de setembro de 2014

CENTRO EDUCACIONAL 06 – GAMA /DF
PROF: DENYS FERREIRA DA COSTA
DISCIPLINA: FILOSOFIA
TEXTO BASE PARA O ESTUDO DIRIGIDO      (3º SÉRIE)
ALIENAÇÃO
A PALAVRA ALIENÇÃO VEM DO Latim alienare, “tornar algo alheio a alguém, isto é , tornar algo pertencente a outro” 
Hoje  esse termo é usado em diferentes contextos  com significações distintas :              
Em Direito — designa a transferência da propriedade de um bem a outra pessoa. Nesse sentido, costuma-se dizer que “os bens do devedor foram alienados”;

Em psicologia — refere-se ao estado patológico do indivíduo que se tornou alheio a si próprio, sentindo-se como um estranho, sem contato consigo mesmo ou com o meio social em que vive;
• na linguagem filosófica contemporânea — corresponde ao processo pelo qual os atos de uma pessoa são dirigidos ou influenciados por outros e se transformam em uma força estranha colocada em posição superior e contrária a quem a produziu. Nesta acepção, a palavra deve muito de seu uso a Karl Marx.
O termo alienação foi utilizado inicialmente por Hegel para designar o processo pelo qual os indivíduos colocam suas potencialidades nos objetos por eles criados. Significaria, assim, uma exteriorização da criatividade humana, de sua capacidade de construir obras no mundo. Nesse sentido, o mundo da cultura seria uma alienação do espírito humano, uma criação do indivíduo, que nela se reconheceria.
Diferentemente de Hegel, Marx identificou dois momentos distintos nesse processo de exteriorização da criatividade:
objetivação — primeiro momento, que se refere especificamente à capacidade da pessoa de se objetivar, de se exteriorizar nos objetos e nas coisas que cria, o que é algo próprio do saber-
-fazer humano;
alienação — segundo momento, aquele em que o indivíduo, principalmente no capitalismo, após transferir suas potencialidades para seus produtos, deixa de identificá-los como obra sua, Os produtos “não pertencem” mais a quem os produziu. Com isso, são “estranhos” a ele, seja no plano psicológico, econômico ou social.
Na sociedade contemporânea, o processo de alienação atinge múltiplos campos da vida humana, Impregnando as relações das pessoas com o trabalho, o consumo, o lazer, seus semelhantes e consigo mesmas. Vejamos alguns aspectos dessas relações alienadas, seguindo, em linhas gerais, a análise do psicanalista alemão Erich Fromm [1900-1980] em Psicanálise da sociedade contemporânea p. 128-147).
Trabalho alienado
Nas sociedades atuais observa-se que a produção econômica transformou-se no objetivo imposto às pessoas, isto é, não são as pessoas o objetivo da produção, mas a produção em si. Nas palavras do filósofo francês contemporâneo Luc Eerry (1951)
[...] a economia moderna funciona como a seleção natural em Darwin: de acordo com uma lógica de competição globalizada, uma empresa que não progrida todos os dias é uma empresa simplesmente destinada à morte. Mas o progresso não tem outro fim além de si mesmo, ele não visa a nada além de se manter no páreo com outros concorrentes. ÍFERRY, Aprender a viver — filosofia para os novos tempos, p. 247.]
Essa mentalidade desenvolveu-se desde o século XVII], quando teve início a industrialização da economia. Esse processo significou não apenas a introdução de máquinas na produção econômica, mas também estabeleceu novas formas de organizar o trabalho seguindo a Lógica de lucro, de tal maneira que as relações sociais passaram a ser regidas pela economia, e não o contrário. Essa tendência acentuou-se a partir do século XIX, quando o trabalho na maioria das indústrias tornou-se cada vez mais rotineiro, mecânico, automatizado e especializado, subdividido em múltiplas operações. Os empresários industriais visavam, com isso, economizar tempo e aumentara produtividade.
Como exemplificou o economista escocês Adam Smith 1723-17901, na fabricação de alfinetes, um operário puxava o arame, outro o endireitava, um terceiro o cortava, um quarto o afiava, um quinto o esmerilhava na outra extremidade para a colocação da cabeça, um sexto colocava a cabeça e um sétimo dava o polimento final.
Essa forma de organização do trabalho em linhas de operação e montagem) foi, posteriormente, aperfeiçoada pelo engenheiro e economista estadunidense Frederick Taylor [1856-1915], cujo método ficou conhecido como taylorismo. A principal consequência do taylorismo é que a fragmentação do trabalho conduz a uma fragmentação do saber, pois o trabalhador perde a noção de conjunto do processo produtivo.
Essa forma de organização do trabalho — que conduz ao trabalho alienado — ainda pode ser observada em muitas empresas, onde o funcionário se restringe ao cumprimento de ordens relativas à qualidade e à quantidade da produção. Sempre repetindo as mesmas operações mecânicas, ele produz bens estranhos à sua pessoa, a seus desejos e suas necessidades.
Além disso, ao executar a rotina. do trabalho alienado, o trabalhador submete-se a um sistema  que, em grande parte, não Lhe permite desfrutar financeiramente dos benefícios de sua própria atividade, pois a meta é produzir para satisfazer as necessidades do mercado e não propriamente do trabalhador Fabricam-se, por exemplo, coisas maravilhosas para uma elite econômica, enquanto aqueles que as produzem mantêm-se modesta ou miseravelmente. Produz-se “inteligência”, mas também a estupidez e o bitolamento nos trabalhadores.
Enfim, o trabalho alienado costuma ser marcado pelo desprazer, pelo embrutecimento e pela exploração do trabalhador Vejamos como Marx, em Manuscritos econômico-filosóficos, descreveu esse processo:
Primeiramente, o trabalho alienado se apresenta como algo externo ao trabalhador, algo que não faz parte de sua personalidade. Assim, o trabalhador não se realiza em seu trabalho, mas nega-se a si mesmo. Permanece no Local de trabalho com uma sensação de sofrimento em vez de bem-estar, com um sentimento de bloqueio de suas energias físicas e mentais que provoca cansaço físico e depressão. Nessa situação, o trabalhador sé se sente feliz em seus dias de folga enquanto no trabalho permanece aborrecido. Seu trabalho não é voluntário, mas imposto e forçado.
O caráter alienado desse trabalho é facilmente atestado pelo fato de ser evitado como uma praga; só é realizado à base de imposição. Afinal, o trabalho alienado é um trabalho de sacrifício, de mortificação. E um trabalho que não pertence ao trabalhador mas sim à outra pessoa que dirige a produção. [Primeiro manuscrito, XXIII. o • Mercado de personalidades
Atingido  pela alienação, o ser humano perde contato com seu eu genuíno, com sua individualidade. Transformado em mercadoria, como observou Fromm, o trabalhador sente-se como uma coisa” que precisa alcançar sucesso no mercado de personalidades” — sucesso financeiro, profissional, intelectual, social, sexual, político, esportivo etc, O tipo de sucesso perseguido depende do mercado no qual a pessoa quer “vender” sua personalidade.
Como o homem moderno se sente ao mesmo tempo como o vendedor e a mercadoria a ser vendida no mercado, sua autoestima depende de condições que escapam a seu controle. Se ele tiver sucesso, será “valioso”; se não, imprestável. O grau de insegurança daí resultante dificilmente poderá ser exagerado. [FROMM, Análise do homem, p. 73.]
Dominado por essa orientação mercantil alienante, conforme definição de Fromm, o indivíduo não mais se identifica com o que é, sabe ou faz. Para ele, não conta sua realização íntima e pessoal apenas o sucesso em vender socialmente suas qualidades.
Tanto suas torças quanto o que elas criam se afastam, tornam-se algo diferente de si, algo para os outros julgarem e usarem; assim, sua sensação de identidade torna-se tão frágil quanto sua auto- estima, sendo constituída do total de papéis que ele pode desempenhar: “Eu sou como você quer que eu seja”. (Análise do homem, p. 74.]
As relações sociais também ficam seriamente comprometidas. Cada pessoa vê a outra segundo critérios e valores definidos pelo ‘mercado de personalidades”. O outro passa a valer também como um objeto, uma mercadoria.
Um dos princípios que orientam as relações alienadas nas sociedades contemporâneas pode ser traduzido nestas palavras: ‘Não se envolva com a vida interior de ninguém”. Esse não envolvimento pode Levar a situações extremas de ausência de solidariedade social.
Consumo alienado
Como podemos definir o termo consumo? Consumir significa utilizar, gastar, dar fim a algo, para alcançar determinado objetivo O ser humano necessita de objetos exteriores para a sua sobrevivência e realização. Por isso, os indivíduos produzem, em sociedade, os objetos para seu consumo.
E o que seria consumo alienado? Antes de refletirmos sobre esse conceito, consideremos o brutal abismo socioeconômico que separa ricos e pobres no mundo inteiro.
Os 2,5 bilhões de indivíduos mais pobres — ou seja, 40% da população mundial — detêm 5% da renda global, ao passo que os 10% mais ricos controlam ’54%. Um a cada dois indivíduos vive com menos de 2 dólares por dia (patamar de pobreza e um a cada cinco, com menos de 1 dólar por dia (patamar de pobreza absoluta]. Essa informação nos mostra que, enquanto boa parte da humanidade enfrenta o drama agudo da fome, da falta de moradia, do desamparo à saúde e à educação, sem o mínimo necessário para sobreviver, uma minoria pode se dar o luxo de consumir quase tudo e esbanjar o supérfluo.
‘E aí que entra, como veremos, o conceito de consumo alienado, fenômeno que ocorre principalmente entre a parcela da população de bom poder aquisitivo, já que não tem muito sentido falarmos em consumo alienado entre a multidão de famintos, esmagada pela miséria.
Relação produção-consumo
Karl Marx observou que produção é ao mesmo tempo consumo, pois quando o trabalhador produz algo, além de consumir matéria-prima e os próprios instrumentos de produção, que se desgastam ao serem utilizados, ele também consome suas forças vitais nesse trabalho.
Por outro lado, completa Marx, consumo é também produção, pois os homens se produzem através do consumo. Isso se verifica de forma mais imediata na nutrição, processo vital pelo qual consumimos alimentos para ‘produzir” nosso corpo. Porém, o consumo nos produz não apenas no plano físico, mas também nos aspectos intelectual e emocional, como ser total.
Há, portanto, uma relação dialética entre consumo e produção. Isso fica ainda mais evidente quando se considera que a produção cria não só bens materiais e não materiais, mas também o consumidor para esses bens. Ou seja, quando se produz algo, é preciso que alguém consuma essa produção. Temos, então, a tríade produção-consumo-consumidor. Por isso, a publicidade (divulgação de produtos nas diversas mídias, como jornal, TV, internet, volantes etc.] é elemento fundamental das sociedades capitalistas, uma vez que é por meio dela que se impulsiona nos indivíduos a necessidade de consumir mercadorias. E aí começa uma ‘roda-viva”: a produção abre a possibilidade do consumo, o consumo cria a necessidade de mais produção, e assim por diante. Essa dupla criação de necessidades (a produção criando o consumo e o consumo criando a produção] gera a ‘reprodução” do sistema capitalista. quer dizer que o circuito produção-consumo não visa atender prioritariamente às necessidades das pessoas, mas sim às necessidades internas do sistema capitalista, em busca permanente de lucratividade, o que leva à mercantilização de todas as coisas.
Nesse sistema, como aponta o sociólogo contemporâneo Immanuel Wallerstein (1930-] em O capitalismo histórico, há algo de absurdo na “lógica capitalista”:
1...] acumula-se capital a fim de se acumular mais capital. Os capitalistas são como camundongos numa roda, correndo sempre mais depressa a fim de correrem ainda mais depressa. Nesse processo, algumas pessoas sem dúvida vivem bem, mas outras vivem miseravelmente, e mesmo as que vivem bem pagam um preço por isso. (p. 34.]
De forma aparentemente contraditória, esses dois aspectos — a exclusão da maior parte das pessoas da possibilidade de consumir e a permanente busca por mais lucro — estão entrelaçados a tal ponto que o filósofo francês Jean Baudrillard (1929-2007] considera que a lógica do consumo no mundo capitalista se baseia exatamente na impossibilidade de que todos consumam.
De acordo com sua análise, o consumo funciona como uma forma de afirmar a diferença de status entre os indivíduos. Veja um exemplo simples:
o fato de que alguém possua um automóvel de luxo só tem sentido se poucos indivíduos puderem tê-lo. Assim, o objeto adquirido funciona como um signo de status. Nas palavras do filósofo, ‘o prazer de mudar de vestuário, de objetos, de carro, vem sancionar psicologicamente constrangimentos de diferenciação social e de prestígio” (Para uma crítica da economia política do signo, p, 38].
A propaganda trata de assegurar essa distinção ao associar marcas e grifes a comportamentos e padrões inacessíveis à maioria da população e, mais que isso, impossíveis de ser alcançados em escala mundial, devido ao impacto que isso significaria em termos do meio ambiente. Essa impossibilidade é, evidentemente, escamoteada, pois não interessa que as pessoas tenham essa informação,

 Neoflismo
Nesse tipo de consumo alienado, movido pelo desejo do consumidor de sentir-se uma ‘exceção” em meio à multidão, ocorre algo como se a posse de um objeto satisfizesse a perda da própria identidade.
As empresas e seus departamentos de marketing sabem disso e se empenham em colocar no mercado produtos que se sucedem com uma rapidez impressionante, os quais são consumidos zelos indivíduos como forma de compensar essa 1 satisfação que sentem em relação a si próprios. tso se traduz na busca ansiosa por adquirir o que se deseja, ignorando-se a possibilidade de desejar c que já se adquiriu
Em outras palavras, o consumidor alienado age como se a felicidade consistisse apenas em uma cestão de poder sobre as coisas, ignorando o prazer obtido com aquilo que verdadeiramente ama. Como afirmou o filósofo alemão Max Horkheimer 11885_1973], “quanto mais intensa é a preocupação do indivíduo com o poder sobre as coisas, mais as coisas o dominarão, mais lhe faltarão os traços individuais genuínos” Eclipse da razão, p. 1411.
Assim, no consumo alienado não existe uma relação direta e real entre o consumidor e o verdadeiro prazer da coisa conquistada, pois o consumo transforma-se em ato obsessivo movido pelo apetite de novidade e de distinção social. E esse desesperado neofilismo [amor obsessivo pelas novidades] afeta praticamente todas as relações de que o ser humano é capaz com o mundo exterior.
Evidentemente, o neofilismo desenfreado corresponde aos interesses dos grandes produtores econômicos. Produzir objetos que logo se tornam obsoletos é um princípio fundamental da economia capitalista.
Escapar a essa armadilha do consumo não é um problema a ser resolvido apenas pela consciência e pela vontade individuais. E uma tarefa ampla que envolve a transformação dos valores dominantes em toda a sociedade. A indústria cultural e de diversão vende peças de teatro, filmes, livros, shows, jornais e revistas como qualquer outra mercadoria. E o consumidor alienado compra seu lazer da mesma maneira como compra sua pasta dental ou seu xampu. Consome os “filmes da moda” e frequenta os ‘lugares badalados”, sem um envolvimento autêntico com o que faz.
Agindo desse modo, muitos se esforçam e até pensam que estão se divertindo, querem acreditar que estão se divertindo. No entanto, “através da máscara da alegria se esconde uma crescente incapacidade para o verdadeiro prazer” [Lobsenz, citado em LOWEN, Prazer, p. 13-14].
Isso quer dizer que a lógica capitalista afeta até mesmo a relação do indivíduo com as obras de arte. Reduzidas ao nível de mercadorias, elas passam a obedecer à lei da oferta e da procura. Tornam-se puros “negócios” fabricados pela indústria cultural, expressão criada por I-Horkheimer e Theodor Adorno [1906-19691, pensadores da Escola de Frankfurt.

Assim, o que era fruto da espontaneidade criativa do sujeito — a arte — transforma-se em produção padronizada de objetos de consumo com vistas à obtenção de lucros econômicos.