CENTRO EDUCACIONAL 06 – GAMA/DF
TEXTO BASE PARA O ESTUDO DIRIGIDO COM
CONSULTA
PROF: DENYS F. DA COSTA
DISCIPLINA: FILOSOFIA SÉRIE : 1º
A FILOSOFIA
“...Que atividade caracteriza a
Filosofia?”
Aqui vou tomar um rumo muito “merleaupontyano”,
de considerar a Filosofia muito a partir de Merleau-Ponty, que é a minha.
Se nós considerarmos que a Filosofia é, em
primeiro lugar, um trabalho para transformar uma experiência imediatamente
vivida numa experiência compreendida e, portanto, a Filosofia é um trabalho
para transformar uma experiência em um saber a respeito dessa mesma
experiência, o campo da Filosofia é vastíssimo. E o campo de todas as
experiências possíveis...
Então, num primeiro momento, vou considerar a
Filosofia como essa reflexão exercida pela experiência, com a experiência e
sobre a experiência, mas realizada enquanto uma experiência de reflexão. O que
eu quero dizer é que não se trata de considerar que de um lado existem
experiências, todas elas desprovidas de seu próprio saber, e, do outro algo que
se chama reflexão que, de fora, operaria sobre a experiência e a converteria
numa experiência verdadeira. Essa ideia de Filosofia é, aliás, a ideia contra a
qual Marleau-Ponty se coloca, porque ela está vinculada à suposição de que
existe um sujeito do conhecimento que vem de fora da experiência para decifrar
a experiência e dizer qual é o sentido que a experiência tem... “Não é isso que
aqui estou chamando de Filosofia”.
A Filosofia é a capacidade de fazer com que a
reflexão sobre a experiência seja, ela própria, enquanto reflexão, uma
experiência. Não algo que vem de fora como uma consciência que se deposita
sobre uma experiência significativa. Abolindo, assim, a ideia de urna reflexão
que viesse de fora para transformar uma experiência em saber. Esse movimento é
interior à própria experiência; ou ela se realiza como uma experiência de
reflexão a seu próprio respeito ou ela não se realiza como Filosofia. Esse
movimento em que a experiência da reflexão seria o lugar da Filosofia, ao ser
colocado como um trabalho, significa duas coisas.
Em primeiro lugar, significa que a experiência
da reflexão, enquanto trabalho do pensamento, vai negar a experiência
imediatamente vivida como uma experiência imediata e vai mostrar que essa experiência
está carregada de sentido, possui uma interioridade, possui o seu tempo
próprio, possui significações e que cada experiência é plena enquanto
experiência. E que essa plenitude é a reflexão que a experiência realiza sobre si própria. Esse trabalho é então, um
trabalho de conquista da plenitude de sentido e de tempo que uma experiência
qualquer possui. É um resgate, portanto, da própria experiência.
Em segundo lugar, é o conhecimento da origem dessa experiência.
Quer dizer, o que diferencia a experiência imediata e a reflexão dessa
experiência sobre si mesma, é que essa reflexão conduz ao conhecimento da
origem de uma experiência e do sentido que essa experiência tem a partir de sua
origem
(Marilena Chauí, texto
extraído da conferência Filosofia. e CULTURA, pronunciada na USU, em
Mito e filosofia:(continuidade e
ruptura)
Texto
02
Já podemos observar a diferença entre
pensamento mítico e filosofia nascente: os filósofos divergem entre si e a
filosofia se distingue da tradição mítica oferecendo uma pluralidade de
explicações possíveis, uma atitude característica do filósofo. Além disso, a
física jônica é a expressão do pensamento filosófico racional e abstrato, ao
recorrer a argumentos e não a explicações sobrenaturais. Por exemplo, Hesíodo
relata o princípio do mundo (cosmogonia) e o nascimento dos deuses (teogonia) a
partir da sua gênese ou origem no tempo, enquanto as cosmologias dos
pré-socráticos são baseadas em explicações racionais. Assim justificamos a
perspectiva comumente aceita da ruptura entre mythos e logos (razão).
No entanto, para estudiosos como o inglês
Cornford, apesar das diferenças, o pensamento filosófico nascente ainda
apresenta vinculações com o mito. Por exemplo, Hesíodo relata na Teogonia como
Gaia (Terra) gera sozinha, por segregação, o Céu e o Mar; depois, a união da
Terra com o Céu, presidida por Eros (princípio de coesão do Universo), resulta
na geração dos deuses. Ora, examinando os textos dos filósofos jônicos,
Cornford descobre neles a mesma estrutura de pensamento existente no relato
mítico: os jônios afirmam que, de um estado inicial de indistinção, separam-se
pares opostos (quente e frio, seco e úmido) que vão gerar os seres naturais (o
céu de fogo, o ar frio, a terra seca, o mar úmido). Para os filósofos, a ordem
do mundo deriva de forças opostas que se equilibram reciprocamente, e a união
dos opostos explica os fenômenos meteóricos, as estações do ano, o nascimento e
a morte de tudo que vive.
Portanto, na passagem do mito à razão, há
continuidade no uso comum de certas estruturas de explicação. Na concepção de
Cornford não existe “uma imaculada concepção da razão”, pois o aparecimento da
filosofia é um fato histórico enraizado no passado.
Outra observação interessante sobre esse
período de transição pode ser feita a partir da produção literária de
tragédias, nos séculos VI e V a.C., cujos autores mais conhecidos foram
Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. Embora o conteúdo das peças teatrais fosse
retirado dos mitos, o tratamento dado aos conflitos denota urna consciência
trágica que representa a ambiguidade pela qual o destino é questionado, ainda
que no final a vontade dos deuses acabe se cumprindo. O esforço humano “na
encruzilhada da decisão, às voltas com as consequências de seus atos”, como diz
Vernant, representa o logos nascente.
Conclusão
Embora existam aspectos de continuidade entre
mito e filosofia, o pensamento filosófico é algo muito diferente do mito, por
resultar de uma ruptura quanto à atitude diante do saber recebido. Enquanto o
mito é uma narrativa cujo conteúdo não se questiona, a filosofia problematiza
e, portanto, convida à discussão. No mito a inteligibilidade é dada, na
filosofia ela é procurada. A filosofia rejeita o sobrenatural, a interferência
de agentes divinos na explicação dos fenômenos. Ainda mais: a filosofia busca a
coerência interna, a definição rigorosa dos conceitos, organiza—se em doutrina
e surge, portanto, corno pensamento abstrato.
Na nova abordagem do real caracterizada pelo
pensamento filosófico, podemos ainda notar a vinculação entre filosofia e
ciência. O próprio teor das preocupações dos primeiros filósofos é de natureza
cosmológica, de maneira que, na Grécia Antiga, o filósofo é também o
intelectual do saber científico. Só no século XVII as ciências encontram seu
próprio método e separam-se da filosofia, formando as chamadas ciências
particulares.
TEXTO 03
FILOSOFIA
E PENSAMENTO
A Filosofia não é uma ciência, uma teoria ou
disciplina do conhecimento, tal como se entendem hoje em dias estes termos. Ao
contrário. Toda ciência, teoria ou disciplina do conhecimento é que são, de
alguma maneira, dependentes da Filosofia, quer o reconheçam ou não.
A Filosofia também não constitui uma ideologia, concepção de vida
ou visão de mundo. Mas não vale a inversão. Pois toda ideologia, concepção de
vida ou visão de mundo não podem prescindir da Filosofia. Foi o que, de certa
feita, reconheceu Bertrand Russel, com as seguintes palavras: ''Um empirismo
lógico, sem compromisso, é logicamente insustentável.''
Mas, então, que é a Filosofia se não for ciência, teoria ou
disciplina do conhecimento, se não for ideologia, concepção de vida ou visão de
mundo? Antes de responder, pensemos o que nos torna a pergunta não somente
possível como, sobretudo, imperiosa.
A pergunta supõe aceitas, sem mais, muitas coisas. Supõe, por
exemplo, que toda Filosofia seja ou, ao menos, pretenda ser um exercício de
conhecimento. Supõe, também, que, além de conhecimento, já não sobre nada para
a Filosofia ser. Supõe, igualmente, que tudo que é não possa deixar de ser
alguma coisa, um quê, e, por isso, pergunta ''que é''. Supõe que toda a
pretensão de conhecimento termina sempre com a produção de um conhecimento
objetivo e, então, é ciência, ou, com a produção de uma ilusão transcendental
ou empírica, e, então, é ideologia. Supõe, por fim, que todas as época tenham
concepção de vida e visão de mundo, e não somente a época moderna.
Como se pode ver, não são poucas as suposições que sustentam as
perguntas. Mas, e se todas as suposições estiverem a serviço da ditadura da
razão, seu raciocínio e sua racionalidade, muito bons, sem dúvida, para
conhecer objetos, mas imprestáveis para pensar a realidade do real nas
realizações históricas do homem? Neste caso, com que cara ficamos nós, ao
perguntar: mas, então, que é a Filosofia se não for nem conhecimento, nem
ideologia, nem concepção de vida, nem visão de mundo? Será que ainda ficaremos
com alguma cara, quando só nos restar a carranca intransigente da razão e sua
ditadura?
Agora, que percebemos os limites da pergunta, poderemos tentar
respondê-la.
A Filosofia é uma experiência de Pensamento. Mas não é a única.
Outras experiências são o mito e a mística. Uma outra é a experiência dos
deuses e do extraordinário, seja ou não religiosa. Ainda outra é a Poesia e a
Arte. Ainda outra é a Pólis e a Politéia. A última, por ser no fundo, a
primeira experiência de Pensamento, é a vida e a morte, Eros e Thanatos.
Hoje somos pós-modernos. Vivemos os progressos da técnica e os
avanços da ciência. Nestas condições, por que nos é tão importante ainda
aprender a pensar no nível dos pensadores? Não seria muito mais vantajoso
empenhar logo todas as forças e concentrar todo o esforço em desenvolver a
técnica e promover o crescimento da ciência, dedicando-se apenas à Filosofia
Analítica da Ciência e às Ciências Cognitivas? Que utilidade poderá trazer para
nós, ''filhos do carbono e do amoníaco'', ''joguetes nas mão do caos e dos
fractais'', ''aranhas da w.w.w''? Para que aprender a pensar, como os
pensadores, se os muitos chats já nos fazem repetir os slogans já
pensados das ideologias e os big-brothers Brasil nos inculcam
sub-repticiamente que o ideal é a exclusão e não a inclusão e a distribuição?
O Pensamento é um passado tão vigente que sempre está por vir.
Qualquer esforço da Filosofia não deixa de ser um esforço do Pensamento pelo
Pensamento. E por quê? Porque nenhum esforço filosófico pode dispensar a força
de futuro do pensamento do passado. Por isso também toda Filosofia vive de
pensar a História da Filosofia. É que se tornou transparente, sobretudo, desde
Hegel. A Filosofia inclui sempre uma Filosofia da História. Na introdução de
suas Preleções de história da filosofia, Hegel pergunta: como é possível
que a Filosofia, que busca a verdade, possa, em sua História, desdobrar-se numa
multiplicidade de tantas filosofias? De fato, o balcão da história nos mostra,
à saciedade, que onde um filósofo diz ''sim'', outro diz ''não'' e vice-versa.
Por isso se costuma repetir que é próprio dos filósofos se contradizerem uns
aos outros e do filósofo se contradizer a si mesmo.
A todas estas arremetidas da razão contra o Pensamento na
Filosofia a resposta de Hegel é dialética: a verdade não é parte. As partes são
passagens de que necessita a verdade para chegar a si mesma no todo. A verdade
é o todo. Por ser e para ser o todo, a verdade possui a tendência de se
desenrolar nas peripécias de uma dialética, formando um fluxo de crescimento, o
curso da História. E não somente Hegel que o percebeu. Heráclito já sabia.
Platão também, Aristóteles também, Santo Agostinho também, Joaquim de Fiore
também, Kant também, Schelling também, Nietzsche também, Heidegger também. Mas
é um saber raro. Só os grandes pensadores o possuem. Pois o possuem na medida
em que transformam na grandeza de outros endereços de Pensamento e de novos
caminhos de pensar. O destino do Pensamento, em qualquer endereço ou caminho é
mantê-lo vivo da forma mais pura, na forma de um contínuo questionamento. Por
isso os filósofos nascem e morrem como filósofos, num diálogo ininterrupto de
Pensamento com seus antecessores e com seus sucessores. Somente morrendo é que
um filósofo e uma filosofia se tornam contemporâneos do Pensamento. É o sentido
da famosa definição platônica da Filosofia: melete thanatou, empenho da
morte. Agora talvez se tenha tornado um pouco mais clara a resposta de que, em
distinção de toda ciência, teoria ou disciplina do conhecimento, de toda
ideologia, concepção de vida ou visão de mundo, a Filosofia é apenas uma
experiência do Pensamento em todos os empenhos de conhecer e sentir, de fazer e
agir, em todos os adventos de ser, não ser e vir as ser dos homens em
peregrinação histórica.
EMANUEL
CANEIRO LEÃO ( FILOSOFO / FONTE JORNAL DO BRASIL
TEXTO 04
A JUVENTUDE E A FILOSOFIA
Você deve
estar acostumado a ser visto pelos adultos como um “incômodo” “. E isso não
deixa de ser verdade. O adolescente passa por uma verdadeira revolução em sua
vida, é uma pessoa em movimento, seu corpo se transforma, suas idéias se
transformam, seus sentimentos se transforma... Muitos dos que são mais velhos
já estão acomodados na vida, e não desejam - na maioria das vezes – mudanças
que perturbem sua situação. Sua situação. E é por isso que o jovem incomoda.
Ele representa o novo, que traz em si o antigo do mundo” pronto “em que nasce
lutando contra o velho que já passou por esse processo de ser o novo. O jovem é
a força do movimento reagindo contra toda a acomodação e, portanto”, incomoda
“os acomodados - que se esquecem de que já passaram por isso”.
Mesmo na escola, você deve viver um
pouco dessa realidade, sentido na pele a situação. Mas talvez com a filosofia
seja diferente, talvez com ela você se sinta à vontade. É porque a filosofia é
uma jovem de quase 2.700 anos de idade. Desde que surgiu na Grécia, no século
VII a.C, a filosofia pode ser caracterizada como uma situação de incômodo, de
inconformismo. Ela apareceu porque alguma pessoa - os primeiros filósofos –
estava insatisfeita com as explicações sobre a realidade que existiam na época.
Elas se sentiam espantadas diante da
complexidade do mundo, e queriam fugir das explicações simplistas que eram
dadas. A filosofia surgiu como uma interrogação constante sobre a realidade, e
um descontentamento com as respostas oferecidas. Isso fez dela uma eterna
revolução, um movimento de construção do saber. Note: a filosofia é a
sabedoria, mas um movimento em sua direção, sempre uma busca. E, como nunca
deixou de ser busca, a filosofia não envelheceu; continua hoje tão jovem quanto
era sua remota origem.
Se a juventude é vista pelos
acomodados como um “incômodo”, o mesmo acontece com a filosofia. No século V
a.C. Sócrates, já idoso, foi condenado à morte pelo tribunal popular de Atenas.
Diziam que ele não acreditava nos deuses da cidade e corrompia a juventude; mas
na verdade ele incomodava demais aqueles que se sentiam confortáveis em sua
situação. Ao longo de sua história, a filosofia seguiu sendo incômodo, causando
desconforto nas pessoas, mas também possibilitando a emergência de novos
saberes, de novas perspectivas e possibilidades.
Não espere da filosofia, portanto,
que resolva sua situação de ‘incômodo “. O que ela pode fazer é deixar você
ainda mais incomodado. Mas ajudará você a perceber que o incômodo não é ruim,
ao contrário, é o inconformismo que move o mundo, permite que cada um construa
sua vida buscando seus próprios caminhos”.
A filosofia não tem uma “receita
mágica” para resolver os problemas da vida de ninguém, mas pode ser um
instrumento interessante para entendermos melhores as situações pelas quais
passamos, possibilitando que façamos escolhas mais bem pensadas. Daqui para
frente, você certamente poderá encontrar muitas outras companhias, filosóficas
ou não, que ajudem você a ser sempre jovem, incomodando-se com o mundo e
consigo mesmo, construindo uma vida criativa e singular.