´CENTRO EDUCACIONAL 06 – GAMA /DF
PROF: DENYS FERREIRA DA COSTA
DISCIPLINA: FILOSOFIA
TEXTO BASE PARA ATIVIDADE II
(3º SÉRIE)
ALIENAÇÃO
A PALAVRA
ALIENAÇÃO VEM DO Latim alienare, “tornar algo alheio a alguém, isto é , tornar
algo pertencente a outro”
Hoje esse termo é usado em diferentes
contextos com significações distintas :
Em Direito — designa a
transferência da propriedade de um bem a outra pessoa. Nesse sentido,
costuma-se dizer que “os bens do devedor foram alienados”;
Em psicologia — refere-se ao
estado patológico do indivíduo que se tornou alheio a si próprio, sentindo-se
como um estranho, sem contato consigo mesmo ou com o meio social em que vive;
• na linguagem filosófica
contemporânea — corresponde ao processo pelo qual os atos de uma pessoa são
dirigidos ou influenciados por outros e se transformam em uma força estranha colocada
em posição superior e contrária a quem a produziu. Nesta acepção, a palavra
deve muito de seu uso a Karl Marx.
O termo alienação
foi utilizado inicialmente por Hegel para designar o processo pelo qual os indivíduos
colocam suas potencialidades nos objetos por eles criados. Significaria, assim,
uma exteriorização da criatividade humana, de sua capacidade de construir obras
no mundo. Nesse sentido, o mundo da cultura seria uma alienação do espírito
humano, uma criação do indivíduo, que nela se reconheceria.
Diferentemente
de Hegel, Marx identificou dois momentos distintos nesse processo de
exteriorização da criatividade:
objetivação — primeiro momento,
que se refere especificamente à capacidade da pessoa de se objetivar, de se
exteriorizar nos objetos e nas coisas que cria, o que é algo próprio do saber-
-fazer humano;
alienação — segundo momento,
aquele em que o indivíduo, principalmente no capitalismo, após transferir suas
potencialidades para seus produtos, deixa de identificá-los como obra sua, Os
produtos “não pertencem” mais a quem os produziu. Com isso, são “estranhos” a
ele, seja no plano psicológico, econômico ou social.
Na sociedade
contemporânea, o processo de alienação atinge múltiplos campos da vida humana, Impregnando
as relações das pessoas com o trabalho, o consumo, o lazer, seus semelhantes e
consigo mesmas. Vejamos alguns aspectos dessas relações alienadas, seguindo, em
linhas gerais, a análise do psicanalista alemão Erich Fromm [1900-1980] em
Psicanálise da sociedade contemporânea p. 128-147).
Trabalho alienado
Nas sociedades
atuais observa-se que a produção econômica transformou-se no objetivo imposto
às pessoas, isto é, não são as pessoas o objetivo da produção, mas a produção
em si. Nas palavras do filósofo francês contemporâneo Luc Eerry (1951)
[...] a economia moderna
funciona como a seleção natural em Darwin: de acordo com uma lógica de
competição globalizada, uma empresa que não progrida todos os dias é uma
empresa simplesmente destinada à morte. Mas o progresso não tem outro fim além
de si mesmo, ele não visa a nada além de se manter no páreo com outros
concorrentes. [FERRY, Aprender a viver — filosofia para os novos tempos, p.
247.]
Essa
mentalidade desenvolveu-se desde o século XVII, quando teve início a
industrialização da economia. Esse processo significou não apenas a introdução
de máquinas na produção econômica, mas também estabeleceu novas formas de
organizar o trabalho seguindo a Lógica de lucro, de tal maneira que as relações
sociais passaram a ser regidas pela economia, e não o contrário. Essa tendência
acentuou-se a partir do século XIX, quando o trabalho na maioria das indústrias
tornou-se cada vez mais rotineiro, mecânico, automatizado e especializado,
subdividido em múltiplas operações. Os empresários industriais visavam, com
isso, economizar tempo e aumentara produtividade.
Como
exemplificou o economista escocês Adam Smith 1723-17901, na fabricação de
alfinetes, um operário puxava o arame, outro o endireitava, um terceiro o
cortava, um quarto o afiava, um quinto o esmerilhava na outra extremidade para
a colocação da cabeça, um sexto colocava a cabeça e um sétimo dava o polimento final.
Essa forma de
organização do trabalho em linhas de operação e montagem) foi, posteriormente,
aperfeiçoada pelo engenheiro e economista estadunidense Frederick Taylor
[1856-1915], cujo método ficou conhecido como taylorismo. A principal
consequência do taylorismo é que a fragmentação do trabalho conduz a uma
fragmentação do saber, pois o trabalhador perde a noção de conjunto do processo
produtivo.
Essa forma de
organização do trabalho — que conduz ao trabalho alienado — ainda pode ser
observada em muitas empresas, onde o funcionário se restringe ao cumprimento de
ordens relativas à qualidade e à quantidade da produção. Sempre repetindo as
mesmas operações mecânicas, ele produz bens estranhos à sua pessoa, a seus
desejos e suas necessidades.
Além disso, ao
executar a rotina. do trabalho alienado, o trabalhador submete-se a um sistema que, em grande parte, não lhe permite
desfrutar financeiramente dos benefícios de sua própria atividade, pois a meta
é produzir para satisfazer as necessidades do mercado e não propriamente do trabalhador
Fabricam-se, por exemplo, coisas maravilhosas para uma elite econômica,
enquanto aqueles que as produzem mantêm-se modesta ou miseravelmente. Produz-se
“inteligência”, mas também a estupidez e o bitolamento nos trabalhadores.
Enfim, o trabalho
alienado costuma ser marcado pelo desprazer, pelo embrutecimento e pela
exploração do trabalhador Vejamos como Marx, em Manuscritos
econômico-filosóficos, descreveu esse processo:
Primeiramente,
o trabalho alienado se apresenta como algo externo ao trabalhador, algo que não
faz parte de sua personalidade. Assim, o trabalhador não se realiza em seu
trabalho, mas nega-se a si mesmo. Permanece no Local de trabalho com uma
sensação de sofrimento em vez de bem-estar, com um sentimento de bloqueio de
suas energias físicas e mentais que provoca cansaço físico e depressão. Nessa
situação, o trabalhador sé se sente feliz em seus dias de folga enquanto no
trabalho permanece aborrecido. Seu trabalho não é voluntário, mas imposto e
forçado.
O caráter
alienado desse trabalho é facilmente atestado pelo fato de ser evitado como uma
praga; só é realizado à base de imposição. Afinal, o trabalho alienado é um
trabalho de sacrifício, de mortificação. E um trabalho que não pertence ao
trabalhador mas sim à outra pessoa que dirige a produção. [Primeiro manuscrito,
XXIII. o • Mercado de personalidades
Atingido pela alienação, o ser humano perde contato com
seu eu genuíno, com sua individualidade. Transformado em mercadoria, como
observou Fromm, o trabalhador sente-se como uma coisa” que precisa alcançar
sucesso no mercado de personalidades” — sucesso financeiro, profissional, intelectual,
social, sexual, político, esportivo etc, O tipo de sucesso perseguido depende
do mercado no qual a pessoa quer “vender” sua personalidade.
Como o homem
moderno se sente ao mesmo tempo como o vendedor e a mercadoria a ser vendida no
mercado, sua autoestima depende de condições que escapam a seu controle. Se ele
tiver sucesso, será “valioso”; se não, imprestável. O grau de insegurança daí resultante
dificilmente poderá ser exagerado. [FROMM, Análise do homem, p. 73.]
Dominado por
essa orientação mercantil alienante, conforme definição de Fromm, o indivíduo
não mais se identifica com o que é, sabe ou faz. Para ele, não conta sua realização
íntima e pessoal apenas o sucesso em vender socialmente suas qualidades.
Tanto suas
torças quanto o que elas criam se afastam, tornam-se algo diferente de si, algo
para os outros julgarem e usarem; assim, sua sensação de identidade torna-se
tão frágil quanto sua auto- estima, sendo constituída do total de papéis que
ele pode desempenhar: “Eu sou como você quer que eu seja”. (Análise do homem,
p. 74.]
As relações sociais também ficam
seriamente comprometidas. Cada pessoa vê a outra segundo critérios e valores
definidos pelo ‘mercado de personalidades”. O outro passa a valer também como
um objeto, uma mercadoria.
Um dos
princípios que orientam as relações alienadas nas sociedades contemporâneas
pode ser traduzido nestas palavras: ‘Não se envolva com a vida interior de
ninguém”. Esse não envolvimento pode Levar a situações extremas de ausência de
solidariedade social.
Consumo alienado
Como podemos
definir o termo consumo? Consumir significa utilizar, gastar, dar fim a algo,
para alcançar determinado objetivo O ser humano necessita de objetos exteriores
para a sua sobrevivência e realização. Por isso, os indivíduos produzem, em
sociedade, os objetos para seu consumo.
E o que seria consumo alienado?
Antes de refletirmos sobre esse conceito, consideremos o brutal abismo
socioeconômico que separa ricos e pobres no mundo inteiro.
Os 2,5 bilhões
de indivíduos mais pobres — ou seja, 40% da população mundial — detêm 5% da
renda global, ao passo que os 10% mais ricos controlam ’54%. Um a cada dois
indivíduos vive com menos de 2 dólares por dia (patamar de pobreza e um a cada
cinco, com menos de 1 dólar por dia (patamar de pobreza absoluta]. Essa
informação nos mostra que, enquanto boa parte da humanidade enfrenta o drama
agudo da fome, da falta de moradia, do desamparo à saúde e à educação, sem o
mínimo necessário para sobreviver, uma minoria pode se dar o luxo de consumir
quase tudo e esbanjar o supérfluo.
‘E aí que
entra, como veremos, o conceito de consumo alienado, fenômeno que ocorre
principalmente entre a parcela da população de bom poder aquisitivo, já que não
tem muito sentido falarmos em consumo alienado entre a multidão de famintos,
esmagada pela miséria.
Relação produção-consumo
Karl Marx
observou que produção é ao mesmo tempo consumo, pois quando o trabalhador
produz algo, além de consumir matéria-prima e os próprios instrumentos de
produção, que se desgastam ao serem utilizados, ele também consome suas forças
vitais nesse trabalho.
Por outro
lado, completa Marx, consumo é também produção, pois os homens se produzem
através do consumo. Isso se verifica de forma mais imediata na nutrição,
processo vital pelo qual consumimos alimentos para ‘produzir” nosso corpo.
Porém, o consumo nos produz não apenas no plano físico, mas também nos aspectos
intelectual e emocional, como ser total.
Há, portanto,
uma relação dialética entre consumo e produção. Isso fica ainda mais evidente
quando se considera que a produção cria não só bens materiais e não materiais,
mas também o consumidor para esses bens. Ou seja, quando se produz algo, é
preciso que alguém consuma essa produção. Temos, então, a tríade
produção-consumo-consumidor. Por isso, a publicidade (divulgação de produtos
nas diversas mídias, como jornal, TV, internet, volantes etc.] é elemento
fundamental das sociedades capitalistas, uma vez que é por meio dela que se
impulsiona nos indivíduos a necessidade de consumir mercadorias. E aí começa
uma ‘roda-viva”: a produção abre a possibilidade do consumo, o consumo cria a
necessidade de mais produção, e assim por diante. Essa dupla criação de
necessidades (a produção criando o consumo e o consumo criando a produção] gera
a ‘reprodução” do sistema capitalista. quer dizer que o circuito
produção-consumo não visa atender prioritariamente às necessidades das pessoas,
mas sim às necessidades internas do sistema capitalista, em busca permanente de
lucratividade, o que leva à mercantilização de todas as coisas.
Nesse sistema,
como aponta o sociólogo contemporâneo Immanuel Wallerstein (1930-] em O
capitalismo histórico, há algo de absurdo na “lógica capitalista”:
1...] acumula-se capital a fim de
se acumular mais capital. Os capitalistas são como camundongos numa roda,
correndo sempre mais depressa a fim de correrem ainda mais depressa. Nesse
processo, algumas pessoas sem dúvida vivem bem, mas outras vivem miseravelmente,
e mesmo as que vivem bem pagam um preço por isso. (p. 34.]
De forma
aparentemente contraditória, esses dois aspectos — a exclusão da maior parte
das pessoas da possibilidade de consumir e a permanente busca por mais lucro —
estão entrelaçados a tal ponto que o filósofo francês Jean Baudrillard
(1929-2007] considera que a lógica do consumo no mundo capitalista se baseia
exatamente na impossibilidade de que todos consumam.
De acordo com
sua análise, o consumo funciona como uma forma de afirmar a diferença de status
entre os indivíduos. Veja um exemplo simples:
o fato de que alguém possua um
automóvel de luxo só tem sentido se poucos indivíduos puderem tê-lo. Assim, o
objeto adquirido funciona como um signo de status. Nas palavras do filósofo, ‘o
prazer de mudar de vestuário, de objetos, de carro, vem sancionar
psicologicamente constrangimentos de diferenciação social e de prestígio” (Para
uma crítica da economia política do signo, p, 38].
A propaganda
trata de assegurar essa distinção ao associar marcas e grifes a comportamentos
e padrões inacessíveis à maioria da população e, mais que isso, impossíveis de
ser alcançados em escala mundial, devido ao impacto que isso significaria em
termos do meio ambiente. Essa impossibilidade é, evidentemente, escamoteada, pois
não interessa que as pessoas tenham essa informação,
Neoflismo
Nesse tipo de
consumo alienado, movido pelo desejo do consumidor de sentir-se uma ‘exceção”
em meio à multidão, ocorre algo como se a posse de um objeto satisfizesse a
perda da própria identidade.
As empresas e seus
departamentos de marketing sabem disso e se empenham em colocar no mercado
produtos que se sucedem com uma rapidez impressionante, os quais são consumidos
zelos indivíduos como forma de compensar essa 1 satisfação que sentem em
relação a si próprios. tso se traduz na busca ansiosa por adquirir o que se
deseja, ignorando-se a possibilidade de desejar c que já se adquiriu
Em outras
palavras, o consumidor alienado age como se a felicidade consistisse apenas em
uma cestão de poder sobre as coisas, ignorando o prazer obtido com aquilo que
verdadeiramente ama. Como afirmou o filósofo alemão Max Horkheimer 11885_1973],
“quanto mais intensa é a preocupação do indivíduo com o poder sobre as coisas,
mais as coisas o dominarão, mais lhe faltarão os traços individuais genuínos”
Eclipse da razão, p. 1411.
Assim, no
consumo alienado não existe uma relação direta e real entre o consumidor e o
verdadeiro prazer da coisa conquistada, pois o consumo transforma-se em ato
obsessivo movido pelo apetite de novidade e de distinção social. E esse
desesperado neofilismo [amor obsessivo pelas novidades] afeta praticamente
todas as relações de que o ser humano é capaz com o mundo exterior.
Evidentemente,
o neofilismo desenfreado corresponde aos interesses dos grandes produtores
econômicos. Produzir objetos que logo se tornam obsoletos é um princípio
fundamental da economia capitalista.
Escapar a essa
armadilha do consumo não é um problema a ser resolvido apenas pela consciência
e pela vontade individuais. E uma tarefa ampla que envolve a transformação dos
valores dominantes em toda a sociedade. A indústria cultural e de diversão
vende peças de teatro, filmes, livros, shows, jornais e revistas como qualquer
outra mercadoria. E o consumidor alienado compra seu lazer da mesma maneira
como compra sua pasta dental ou seu xampu. Consome os “filmes da moda” e
frequenta os ‘lugares badalados”, sem um envolvimento autêntico com o que faz.
Agindo desse
modo, muitos se esforçam e até pensam que estão se divertindo, querem acreditar
que estão se divertindo. No entanto, “através da máscara da alegria se esconde
uma crescente incapacidade para o verdadeiro prazer” [Lobsenz, citado em LOWEN,
Prazer, p. 13-14].
Isso quer
dizer que a lógica capitalista afeta até mesmo a relação do indivíduo com as
obras de arte. Reduzidas ao nível de mercadorias, elas passam a obedecer à lei
da oferta e da procura. Tornam-se puros “negócios” fabricados pela indústria
cultural, expressão criada por I-Horkheimer e Theodor Adorno [1906-19691,
pensadores da Escola de Frankfurt.
Assim, o que
era fruto da espontaneidade criativa do sujeito — a arte — transforma-se em
produção padronizada de objetos de consumo com vistas à obtenção de lucros
econômicos.
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