quinta-feira, 15 de setembro de 2011

TEXTO BASE PARA O ESTUDO DIRIGIDO DA IDADE MÉDIA 1° ANO

CENTRO EDUCACIONAL 06- GAMA


DISCIPLINA : FILOSOFIA

PROF: DENYS F. DA COSTA



TEXTO BASE PARA O ESTUDO DIRIGIDO

1º ANO



filosofia na Idade Média – por A. S. McGrade

Como era fazer filosofia na Idade Média? [...]



O que nós conhecemos como filosofia medieval emergiu no fim do Império Romano a partir de uma acomodação mútua da fé cristã e do pensamento clássico. Essa mistura passou por séculos de dormência no Ocidente, enquanto ao mesmo tempo começou a tomar ar fresco no mundo islâmico. No século XI e XII a filosofia emergiu numa nova Europa, em forma alterada e contra algumas oposições. Então, aumentada e desafiada pelo trabalho dos pensadores islâmicos e judeus, alcançou no século XIII uma idade de ouro de análise sistemática e especulação correspondente a um novo grau de racionalização na política e na sociedade. Finalmente, a significância do século XIV permanece contestada, a despeito de muitos estudiosos recentes demonstrarem seu brilho. [...]



EMERGÊNCIA DA FILOSOFIA MEDIEVAL NO IMPÉRIO ROMANO TARDIO



A emergência da filosofia medieval é surpreendente à luz da oposição entre o Cristianismo e a filosofia, oposição que data dos tempos em que São Paulo denunciava a “sabedoria do mundo” (especificamente, a sabedoria dos gregos). Mas falando historicamente, quando Paulo foi realmente confrontado com filósofos no monte do Areópago em Atenas, assumiu uma linha conciliatória, notando semelhanças entre seus ensinamentos e os versos de um poeta estóico. No antigo mundo mediterrâneo, a filosofia não consistia de uma reflexão separada do dia-a-dia. Ela exigia um engajamento total da pessoa. Assim, no século II e III, a filosofia, como praticada pelos Estóicos, Platônicos e Epicuristas, começava a ficar muito parecida com o Cristianismo professado entre gregos e romanos convertidos.



A filosofia medieval nasceu neste ambiente intelectual. Não por coincidência, essas eram as circunstâncias sob as quais o Cristianismo tornou-se a religião oficial do Império Romano. De fato, é apenas um ligeiro exagero caracterizar a conversão legal iniciada no século IV pelo imperador Constantino como um epifenômeno de um meio cultural mais geral, que incluía o espalhamento das comunidades judaicas e de sua religião pelo Mediterrâneo, com a correspondente helenização do pensamento judeu a partir da aquisição de idéias filosóficas gregas. Por volta do século III, um discurso comum floresceu entre a elite – um discurso bem semelhante, seja pagão, judeu ou cristão. A constituição de Constantino foi somente fazer da variante cristã a dominante, eventualmente por meios opressivos, a partir do século IV. Mas o aparato conceitual, as inclinações intelectuais e as ferramentas interpretativas que foram usadas no curso desse processo não eram nem especificamente cristãs, nem eram novas. [...]



Os primeiros séculos a partir da conversão do Império Romano observaram a maturação de uma especulação cristã que, em grande parte, continuava os padrões de pensamento da Antiguidade, padrões que precediam a conversão ou que eram evidentes após a conversão de Roma em correntes filosóficas externas ao círculo de influência cristã. Conseqüentemente, a primeira fase da filosofia medieval pode ser considerada como fazendo parte de uma trajetória histórica que conecta a filosofia da Grécia Clássica com a praticada no mundo moderno.



A situação mudou dramaticamente do fim do século VI em diante. (…) Reflexos da tradição anterior era encontrada na Espanha, na época sujeita a reinos dos Visigodos. Em todos os outros lugares do Ocidente, a atenção deslocou-se somente para fins narrativos, afetivos e práticos. Mesmo a escrita sobre assuntos religiosos tornou-se menos teológica, no sentido de ter se tornado menos compromissada com o exame e a exploração sistemática das doutrinas, e mais devocional e movida pela inspiração. Na parte ocidental do Império, o imperador Justiniano é comumente acusado de ter fechado as escolas de filosofia em Atenas em 529. Se houve um fechamento de fato (pois filósofos pagãos continuaram a atrair estudantes a Atenas depois de Justiniano), isso não deveria ser pensado como o suspiro de morte para a filosofia Greco-Romana. Também em Atenas, naquela época, a filosofia já não estava mais no centro da atenção intelectual.



Isso nos leva à segunda parte da filosofia medieval, que segue até o meio do século XI. A partir do fim do século VI a metade ocidental do mundo mediterrâneo sofreu uma série de profundos choques econômicos e demográficos, que derrubaram o comércio, a política e, finalmente, a cultura dos centros vitais do Império Romano e da economia no Leste falante do grego. O que se seguiu não foi a extinção do estudo clássico latino que havia florescido na primeira fase da filosofia medieval, mas um estreitamento de foco e um redirecionamento de interesse. Já no século V, as escolas públicas de Latim e de literatura haviam desaparecido. Romanos e Germanos proeminentes que aspiravam à eminência estudavam Letras em casa, talvez com um tutor privado. Esses eram os indivíduos que carregaram o que sobrava do discurso literato, enquanto a política e a economia do Império dissolviam-se. Era entre bispos cristãos e nos grupos de dependentes e conselheiros em torno deles que a cultura ocasionalmente elevava-se acima do nível elementar. Contudo, as ferramentas disponíveis não incluíam o que as gerações prévias chamavam filosofia, nem mesmo as ferramentas conhecidas como o trivium, a lógica ou a dialética. O que era estudado em casa era simples gramática, o que incluía familiaridade com os clássicos da prosa e da poesia latina, e rudimentos de retórica ou estilo. Os produtos compostos nos salões episcopais de alta cultura eram primariamente sermões, enumerações de milagres e história.



Assim, começou o período de dormência da filosofia medieval. Com raríssimas exceções, houve pouco nesses séculos que hoje nós identificaríamos como “filosófico”, e, talvez mais importante, não havia muito que Agostinho ou Boécio teriam chamado filosofia tampouco. Em vez disso, a inspiração e o veículo para o aprendizado eram assentados com uma nova cultura dos monastérios. Quando o pensamento abstrato especulativo e analítico emergiu novamente no fim do século XI, todavia, emergiu no ambiente monástico. (…)



Com a exceção da erudição do período Carolíngeo, a cultura monástica ocidental na Idade Média central manteve um estudo direcionado para a ascese, capaz de produzir maravilhosas peças de canto, oração e liturgia, mas dificilmente trabalhos de importância especulativa. (…)



As raízes da transformação social ocidental posterior têm origem no século X no que viria a tornar-se uma revolução econômica na Europa medieval. Por uma combinação de inovações tecnológicas e uma reconfiguração da estrutura social que estava anteriormente amarrada ao feudalismo, o noroeste da Europa evoluiu entre 900 e 1100 de uma paisagem rural esparsamente povoada de agricultura de subsistência a uma topografia mais complexa de excesso de produção, população rapidamente crescente, emergentes cidadelas (ou mesmo pequenas cidades), e o início de um mercado significante.



Foi essa transformação fundamental, de uma sociedade imóvel para uma dinâmica, que explica o avanço do Ocidente no fim da era medieval e no início dos tempos modernos. Sinais internos dessa nova ordem podem ser vistos no revigoramento das monarquias reais na França e na Inglaterra, na aparição de comunas urbanas auto-governadas na Itália, e na reforma da hierarquia eclesiástica da Igreja, evidenciada na pressão pelo celibato clerical e na maior independência do controle secular. Externamente, a mudança anunciou-se numa postura mais agressiva em relação aos vizinhos da Europa Latina. A Reconquista – a expansão militar dos principados cristãos do Norte na Espanha muçulmana – estava acontecendo pelo meio do século XI. Em 1054 um Papado mais seguro e autônomo em Roma excomungou o patriarca de Constantinopla. O cisma com a Ortodoxia Oriental remonta a esse tempo. Algo mais famoso aconteceu em 1095, quando começou a primeira das massivas, e por duzentos anos periódica, invasões de soldados ocidentais visando fortuna e salvação no Oeste mediterrâneo, as Cruzadas. (…)



Com relação à filosofia, esses eventos significaram o nascimento de uma sociedade na qual os homens cultos eram livres para direcionar seus esforços à análise e à especulação por seus próprios esforços (…). Sintomas de novos hábitos mentais e de um tipo de cultura literária inteiramente diferente de qualquer outro apareceram nas instituições de ensino e de produção literária mais características da Europa Ocidental na Idade Média: os monastérios. Eles não estiveram apenas na vanguarda das devoções religiosas e da escrita histórica característicos da Idade Média do segundo período, mas também proveram as fundações pedagógicas para essas áreas. Como indicado acima, essa fundação incluía gramática e retórica, mas não a lógica. Começando no século XI, alguns dos mais capazes monges começaram a procurar entre os textos lógicos de Aristóteles e Boécio, que estavam conservados em suas livrarias, por algo que sentiam faltar em sua educação. (…)



Este novo modelo de busca intelectual reviveu uma forma de discurso por muito tempo ausente do Ocidente. Também alterou o caráter desse discurso. Com sua ênfase excepcional na lógica, infundiu a erudição da Alta Idade Média com uma visão profundamente analítica. Em seus diálogos sobre a verdade, o livre-arbítrio ou a queda do Demônio, mesmo os devotos contemplativos professores medievais podem soar mais como mestres universitários do fim do século XIX do que como os medievais da primeira fase. A necessidade pela lógica assumiu um lugar central no fim do século XI e no início do XII com uma velocidade estonteante. (…)



Agora a lógica encontrava-se no coração de todo o conhecimento e constituía o paradigma para a investigação em todos os campos. Começando com a leitura e exposição literal na classe de aula dos textos fundamentais em um assunto, um sistema formal de questões e respostas aparecia, a partir do qual os estudantes poderiam tanto exercitar suas habilidades lógicas em debate e por as palavras das autoridades sob as lentes da análise crítica, avançando na direção de uma maior compreensão, ganhando consistência de exposição e maior claridade de entendimento. Tal método de sala de aula de análise, debate e resolução rapidamente tornou-se padrão entre as escolas emergentes. As mais importantes disciplinas do ensino da Alta Idade Média começaram a tomar forma, cristalizadas à volta de novos livros-texto recentemente compostos e rapidamente adotados universalmente e eram estruturadas como coleções de debates de pontos que tocavam todos os aspectos significantes do assunto tratado.



McGRADE, A.S. The Cambridge Companion to Medieval Philosophy. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. Tradução: Gustavo Bertoche.





patrística



Termo que designa, de forma genérica, a filosofia cristã nos primeiros séculos logo após o seu surgimento, ou seja, a filosofia dos Padres da Igreja, da qual se originará, mais tarde, a *escolástica. A patrística surge quando o Cristianismo se difunde e consolida como religião de importância social e política, e a Igreja se firma como instituição, formulando-se então a base filosófica da doutrina cristã, especialmente na medida em que esta se opõe ao paganismo e às heresias que ameaçam sua própria unidade interna. Predominam assim os textos apologéticos, em defesa do Cristianismo. A patrística representa a síntese da filosofia grega clássica com a religião cristã, tendo seu início com a escola de *Alexandria, que revela um pensamento influenciado pelo espiritualismo neoplatônico e pela doutrina ética do estoicismo. Destacam-se aí, S. Justino Mártir (c. 105- c.165), Clemente de Alexandria (c.150-c.215), Orígenes (c.185-254). A escola de Capadócia desenvolveu-se no Império Romano do Oriente (Constantinopla), com S. Basilio (330-389), S. Gregório Nazianzeno (c.329-c.390) e S. Gregório de Nissa (c.335-c.395). Temos ainda, na tradição grega do Oriente, o Pseudo-Dionísio, o Areopagita (séc. VI), S. Máximo, o Confessor (580-662) e S. João Damasceno (c.674-c.749), todos de influência neoplatônica. O principal filósofo de tradição patrística, pelo grau de elaboração de sua obra, por sua originalidade e influência durante o desenvolvimento da filosofia cristã no período medieval é Sto. Agostinho, sendo seu tratado Sobre a doutrina cristã, um dos mais representativos dessa tradição. A principal fonte para o conhecimento de textos de patrística é a Patrologia grega e latina, editada por J.P. Migne no século XIX, publicada em Viena.



A Escolástica (ou Escolasticismo) é uma linha dentro da filosofia medieval, de acentos notadamente cristãos, surgida da necessidade de responder às exigências da fé, ensinada pela Igreja, considerada então como a guardiã dos valores espirituais e morais de toda a Cristandade. Por assim dizer, responsável pela unidade de toda a Europa, que comungava da mesma fé.

A Filosofia que até então possuía traços marcadamente clássicos e helenísticos sofreu influências da cultura judaica e cristã, a partir do século V, quando pensadores cristãos perceberam a necessidade de aprofundar uma fé que estava amadurecendo, em uma tentativa de harmonizá-la com as exigências do pensamento filosófico. Alguns temas que antes não faziam parte do universo do pensamento grego, tais como: Providência e Revelação Divina e Criação a partir do nada passaram a fazer parte de temáticas filosóficas. A Escolástica possui uma constante de natureza neoplatônica, que conciliava elementos da filosofia de Platão com valores de ordem espiritual, reinterpretadas pelo Ocidente cristão. E mesmo quando Tomás de Aquino introduz elementos da filosofia de Aristóteles no pensamento escolástico, esta constante neoplatônica ainda é presente.

Basicamente, a questão chave que vai atravessar todo o pensamento escolástico é a harmonização de duas esferas: a fé e a razão. O pensamento de Agostinho, mais conservador, defende uma subordinação maior da razão em relação à fé, por crer que esta venha restaurar a condição decaída da razão humana. Enquanto que a linha de Tomás de Aquino defende uma certa autonomia da razão na obtenção de respostas, por força da inovação do aristotelismo, apesar de em nenhum momento negar tal subordinação da razão à fé. Para a Escolástica, algumas fontes eram fundamentais no aprofundamento de sua reflexão, por exemplo os filósofos antigos, as Sagradas Escrituras e os Padres da Igreja, autores dos primeiros séculos cristãos que tinham sobre si a autoridade de fé e de santidade.

Os maiores representantes do pensamento escolástico são os dois pensadores citados acima, que estão separados pelo tempo e pelo espaço: Agostinho de Hipona, nascido no norte da África no fim do século IV e Tomás de Aquino, nascido na Itália do século XIII. Embora seja arriscado dizer que sejam as únicas referências relevantes do período medieval, ambos conseguiram sintetizar questões discutidas através de todo o período: Agostinho enquanto mestre de opinião relevante e autoridade moral e Tomás de Aquino, pelo uso de caminhos mais eficazes na obtenção de respostas até então em aberto.

SANTO AGOSTINHO: A FÉ REABILITA A RAZÃO

Oficialmente, o cristianismo triunfa em 313, quando o imperador Constantino (c. 280-337), pelo edito de Milão, concede liberdade de culto aos cristãos. Na prática, po¬rém, o cristianismo, com seus fiéis solidamente organi¬zados sob a autoridade dos padres, dos bispos e do papa, já possuía uma instituição bastante influente: a Igreja (do grego ekklesía, isto é, "assembléia").

Mas a elevação formal da Igreja de Roma a centro da cristandade acirrou também a disputa entre as interpre¬tações divergentes da mensagem de Jesus. No plano po¬lítico, esse confronto de opiniões seria resolvido no Con¬cílio de Nicéia (325), convocado por Constantino, e em outras reuniões do gênero, em que se estabeleceu a orto¬doxia (literalmente, "opinião correta") da doutrina cristã. Desse processo - do qual fizeram parte violências con¬tra os considerados hereges - resultou a Igreja Católica, que em grego significa Igreja universal.

A consolidação da ortodoxia exige, no entanto, mais do que um ato de poder que a decrete. Ela também pre¬cisa ser convincente, apresentando-se não apenas como revelação mas também como resultado de raciocínios. A filosofia patrística (dos santos padres) representa, em algumas de suas vertentes, esse esforço de munir a fé de argumentos racionais.Dentre os Santos padres, Santo Agostinho é quem leva mias longe a conciliação entre a fé e a razão: elabora a filosofia cristã, como ele a chamaria.





O Verbo em cada um

A vida de Santo Agostinho, minuciosamente narrada por ele próprio em Confissões, é quase uma demonstra¬ção, na prática, de seu pensamento: experimentou o ceti¬cismo quanto ao conhecimento, sofreu o abismo do ho¬mem em pecado, reencontrou a esperança na graça divi¬na, conheceu a felicidade e a certeza da verdade na fé.

Agostinho nasceu em 354 em Tagaste, na província ro¬mana de Numídia, na atual Argélia. Educou-se em Cartago, onde se tornou professor de retórica. Mudou-se para Roma e, depois, para Milão. Durante esse período, mostrou grande inquietação intelectual: leu Cícero e uma versão latina de Categorias, de Aristóteles. Em seguida aderiu ao maniqueísmo, seita fundada pelo sábio persa Mani (c. 215-276), baseada na crença de dois princípios absolutos que regeriam o mundo: o Bem e o Mal.

Mais tarde, desiludido com os maniqueus, conheceu as concepções da Academia platônica, tomadas por um profundo ceticismo. Leu também PIotino, mas a influên¬cia decisiva veio de Santo Ambrósio (c. 340-397), bispo de Milão, que indicaria a Agostinho o caminho da fé. Por fim, converteu-se em 386.

Retirou-se para sua terra natal e escreveu obras como Contra os Acadêmicos, Da Ordem e De Magistro. Ordenado padre de Hipona (na atual Argélia), e, em 395, tornado bispo da cidade, passou a dedicar-se ao sacerdócio, mas não parou de escrever. Confissões, Da Trindade e A Cidade de Deus são desse período. Ele morreu em 430, com Hipona cercada por vândalos, um povo germano, que, junto com outros povos ditos "bárbaros", aniquilava o Império Romano .

Os séculos IV e V, em que Agostinho vive, são uma época em que a filosofia, talvez com exceção do neopla¬tonismo de PIotino, perdeu a confiança na razão. Mergu-lhada no ceticismo, ela duvida da possibilidade do co¬nhecimento da verdade. Cabe então a Agostinho restau¬rar a certeza da razão, e isso, paradoxalmente, por meio da fé. Para ele, o conhecimento da verdade é um fato, como provam as demonstrações matemáticas e lógicas, irrefutáveis. Resta então saber como tal conhecimento é possível, qual o seu aval.

O homem e seu intelecto, mutáveis e perecíveis, não podem ser os avalistas do conhecimento, pois a verdade deve ser eterna. Assim, a verdade só pode ser assegura-da por algo que se coloque acima dos homens e das coi¬sas: Deus. Se a razão, na busca de sua certeza, depara com a fé em Deus, é também a fé que permite resgatar a digni-dade da razão: "Compreender para crer, crer para com¬preender", escreve ele.

Agostinho situa-se na passagem do mundo greco-ro¬mano para a Idade Média, cujo valor preponderante é o cristianismo. De certo modo, ele próprio representa essa passagem: nutriu-se dos resquícios da cultura helenística para depois converter-se à fé cristã. Ao romper com o passado, introduzindo uma noção de Deus alheia à filo¬sofia de até então, Agostinho o faz de um modo que ca¬racteriza uma certa continuidade da tradição filosófica.

A rigor, essa continuidade é a confiança na razão, sem o que a filosofia nem sequer existiria. Ao contrário de alguns representantes da filosofia patrística - como Tertuliano (c. 155-220), célebre pela fórmula "creio porque é absurdo, a ele atribuída - , Agostinho esforça-se por reabilitar a razão diante da fé. Ela serviria ao menos (mas não só isso) Para demonstrar a necessidade do credo.

A continuidade também se manifesta nos temas que Agostinho aborda: o universo e o princípio que o gover¬na, a questão da possibilidade do conhecimento/a ética e a política - mas revestidos da ideologia cristã. Por exemplo, ele concorda com a Academia platônica de sua época, para a qual nada há de comum entre as coisas e as palavras que as designam, mas disso não conclui que o conhecimento só pode chegar ao provável. Traduzin¬do a idéia estóica de que tudo participa do logos, que é corpóreo, Agostinho afirma que o conhecimento é dado pela presença íntima, em cada homem, do Verbo feito carne (Cristo), cuja verdade e certeza o ser humano ex¬pressa por meio das palavras.

As cidades, dos homens e de Deus

Para Agostinho, Deus, como o Uno de PIotino é o transcendente absoluto, indizível pois nada se compara à sua divina perfeição. Por isso, sua teologia (conhecimen¬to a respeito de Deus) é de caráter muito mais negativo do que ,afirmativo: "Se não podeis" escreve, "compreen¬der agora o que Deus é,compreendei ao menos o que Ele.

Insondável acima da razão humana, Deus é único mas também três: Pai é a essência divina indizível; Fi¬lho é o Verbo e o Logos; Espírito Santo é o Amor divino que cria tudo o que existe. A Trindade assemelha-se, em parte, às três hipóstases idealizadas por Plotino: o pró¬prio Uno, que é absolutamente transcendente; a Inteligência que torna inteligíveis as coisas; e a Alma, que dá vida aos seres.

Feito à imagem e semelhança de Deus, o homem re¬produz nele mesmo a Trindade: a existência (Pai), o co¬nhecimento (Filho) e a vontade (Espírito Santo). A ordem do universo também é análoga à Santíssima Trindade e manifesta-se de vários modos, sempre em tríades. O mundo, por exemplo, constitui-se de coisas inanimadas,seres vivos e seres inteligentes, que são os homens, por sua vez dotados de corpo, alma e espírito, e assim por diante. A ordem do mundo é bela e boa, pois é criação de Deus. Isso significa que o mal propriamente não exis¬te: é apenas o afastamento em relação a Deus, o que no homem se manifesta como pecado.

O pecado é a subversão da bela e boa ordem criada por Deus, e aparece, por exemplo, quando a alma se torna serva do corpo. O livre-arbítrio, a vontade humana é im-potente para buscar a salvação. O próprio Agostinho ser¬ve como testemunha disso, pois, como narra em Confissões, não conseguia fugir do pecado, a salvação só lhe veio quando Deus assim quis. Era um eleito, predestina¬do pela Vontade divina. Nesse sentido, para Agostinho, a bondade e a caridade não são meios de salvação, pois tais atos são resultado da eleição divina. Nesse aspecto, o pensamento agostiniano é radicalmente contrário à tra¬dição filosófica, que via na salvação (ou na felicidade) o resultado do esforço do homem, pela filosofia. O Deus dos filósofos não é o Deus cristão, e, se Agostinho per¬corre os caminhos da filosofia/ é para reafirmar com maior vigor sua fé na onipotência de Deus.

A história da humanidade é a história do pecado do homem, por livre-arbítrio, e a salvação de alguns predes¬tinados, pela graça divina. Os que pecam formam a cida¬de terrestre, que é o mundo dos homens. Essa cidade não é necessariamente má, mas, governada pela vontade hu¬mana, tende para o pecado e é de tempos em tempos castigada por Deus – como foi o caso, por exemplo, do Dilúvio universal. Por outro lado, porém, em meio aos homens ergue-se aos poucos, mas de modo firme, a cidade de Deus, cons¬truída pelos predestinados. Agostinho propõe assim uma filosofia da história: a finalidade da história, que coinci¬de com o seu fim, é a vitória definitiva da Cidade de Deus, com o retorno do Messias e o Juízo Final.



SÃO TOMAS: UM CAMINHO ATÉ DEUS





Quem analisa as provas da existência de Deus elabo¬radas por Santo Tomás de Aquino tem a impressão de estar diante de um pensador extremamente racionalista. Ledo engano. Ele é, acima de tudo, teólogo e religioso, para quem a filosofia deve servir à fé. Não no sentido de auxiliá-la, mas de submeter-se a ela. Para Tomás, quan¬do a fé e a razão entram em desacordo, é sempre esta que se equivoca. A Igreja soube reconhecer essa intransigen¬te defesa: em 1323, Tomás de Aquino foi canonizado e, no século XIX, seu pensamento assumiu a condição de doutrina oficial do catolicismo.

Para ele, não há conflito entre fé e razão - a tal ponto que lhe é possível demonstrar a existência de Deus. Re¬cusa a solução apressada de Santo Anselmo, para quem Deus, sendo perfeito, deveria ter como um de seus atri¬butos perfeitos o da existência. Segundo Tomás de Aquino, definir Deus como ser perfeito ainda não impli¬ca sua existência. A definição é uma idéia, e nada garan¬te que uma idéia possa existir na realidade.

O ponto de partida, então, é o mundo sensível, percebi¬do pelos sentidos. Estes indicam que o mundo é dotado de movimento. Mas, segundo Aristóteles, nada se move por si. A causa do movimento deve ser causada e, se não se quiser estender a série das causas ao infinito (o que não explicaria o movimento presente), é preciso admitir uma causa absolutamente imóvel e primeira: Deus. O mesmo raciocínio vale para a causa em geral. As coisas são ou cau¬sa ou efeito de outras, não sendo possível ser causa e efei¬to ao mesmo tempo. Deve haver, então, ou uma sucessão infinita de causas - o que é absurdo -, ou uma causa absolutamente primeira e não causada.

Os dados dos sentidos também mostram que as coisas existem e perecem. Isso significa que a existência não lhes é necessária, essencial mas apenas uma possibilidade contingente. Por isso, a existência depende de uma cau¬sa, exatamente aquela que tenha a existência como essên¬cia, uma existência necessária.

Além disso, o mundo apresenta uma série de seres me¬nos ou mais perfeitos e que são comparados entre si de maneira relativa. Mas como saber o que é mais perfeito do que outro se não houver um padrão a partir do qual se possa medir os graus de perfeição? A hierarquia das coisas relativas depende então de um ser que seja a me¬dida absoluta e eterna da perfeição.

Por fim, essa hierarquia apresenta-se como uma ordem, em que cada ser cumpre sua finalidade: os seres vivos reproduzem-se constantemente, e os corpos sempre bus¬cam o seu lugar natural, mesmo que disso não tenham conhecimento. Se a finalidade de cada ser é assim atingi¬da, mesmo que inconscientemente, deve haver uma In¬teligência que conheça e organize o mundo de acordo com

sua finalidade.

Desse modo, a razão, por vários meios, atinge o conhecimento da existência de Deus. A razão que demonstra e a fé que revela estão, por isso, em acordo, sem que entre elas haja contradição. Ambas são modos diferentes pelos quais se manifesta a mesma e única Verdade.

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