segunda-feira, 3 de maio de 2010

concepção platônica sobre o corpo

1. A concepção platônica sobre o corpo

      De maneira geral, os filósofos ocidental sempre tenderam a explicar o ser humano como composto de duas partes diferentes e separadas: o corpo (material) e a alma (espiritual e consciente). Chamamos a isso dualismo psicofísico, ou seja, a dupla realidade da consciência separada do corpo.

     A dicotomia corpo—alma já aparece no pensamento grego no século V a.C., com Platão.Que parte do pressuposto de que a alma, antes de se encarnar, teria vivido no mundo das idéias, onde tudo conheceu por simples intuição, ou seja,por conhecimento intelectual direto e imediato, sem precisar usar os sentidos. Quando — por necessidade natural ou expiação de culpa a alma se une ao corpo, ela se degrada, por se tornar prisioneira dele. A alma humana passa então a se compor de duas partes, unia superior (a alma intelectiva) e outra inferior (a alma do corpo). Esta última é irracional e se acha, por sua vez, dividida em duas partes: a irascível, impulsiva, localizada no peito; e a conciapiscivel, centrada no ventre e voltada para os desejos de bens materiais e apetite sexual.

    Todo drama humano consiste, para Platão, lia tentativa de domínio da alma superior sobre a inferior.Escravizada pelo sensível, a alma inferior conduz à opinião e, conseqüentemente, ao erro, perturbando o conhecimento verdadeiro. O corpo é também ocasião de corrupção e de— cadência moral, e se a alma superior não souber controlar as paixões e os desejos, seremos incapazes de comportamento moral adequado.

       Da mesma forma, o amor sensível deve estar subordinado ao amor intelectual. No diálogo O banquete, Platão demonstra que, se na juventude, predomina a admiração pela beleza física, o verdadeiro discípulo de Eros amadurece com o tempo ao descobrir que a beleza da alma é mais preciosa que a do corpo.

     No entanto, parece contraditória essa desvalorização do corpo, se sabemos o quanto os gregos apreciavam os exercícios físicos, a ginástica, os esportes. Não é á toa que a Grécia aparece como o berço das Olimpíadas, em cujo período de jogos até as guerras cessavam. Ora, Platão também valoriza a ginástica, e isso apenas confirma a idéia da superioridade do espírito sobre o corpo.”Corpo são em mente sã” significa que a educação física rigorosa põe o corpo na posse de saúde perfeita,permitindo que a alma se desprenda dos sentidos para melhor se concentrar na contemplação das idéias. Caso contrário , a fraqueza física torna-se empecilho maior à vida superior do espírito.

4. A relação corpo-espírito em Espinosa

       Embora só no século XX tenham surgido correntes filosóficas tentando superar a dicotomia corpo—consciência para restabelecer a unidade humana, há uma exceção no século XVII, representada por Espinosa.

       Baruch Espinosa1 (1632-1677), filósofo judeu holandês, sofreu inúmeros reveses em sua vida. Cedo foi expulso da sinagoga, acusado de heresia. Deserdado pela família, ocupou—se como polidor de lentes, para garantir a sobrevivência e dedicar—se à reflexão. Escreveu tratado teológico-político e Ética, entre várias obras mal compreendidas e quase nunca lidas, tanto no seu século como nos subseqüentes. Sempre sofreu acusações, ora de ateísmo, ora de panteísmo.

       Considerado por muitos um filósofo determinista, no sentido de que negaria a liberdade humana,Espinosa, ao contrário, critica toda forma de poder, quer político, quer religioso, na tentativa de elucidar os obstáculos à vida, ao pensamento e à política livres. Ele quer descobrir o que nos leva à servidão e à obediência. Ao estudar o comportamento moral, Espinosa procura o que permite e o que impede o exercício da liberdade.

      Analisando as possibilidades de expressão da liberdade, desenvolve uma teoria absolutamente inovadora no seu tempo e que desafia a tradição vinda dos gregos.A novidade de Espinosa é a teoria do paralelismo, segundo a qual não hà relação de causalidade ou de hierarquia entre corpo e espírito. Ou seja, nem o espírito é superior ao corpo, como queriam os idealistas, nem o corpo determina a consciência, como dizem os materialistas. A relação entre um e outro não é de causalidade, mas de expressão e simples correspondência. O que se passa em um deles se exprime no outro: a alma e o corpo exprimem, no seu modo próprio, a mesma coisa. Nesse sentido, também não convém dizer que o corpo é passivo enquanto a alma é ativa, ou vice-versa. Tanto a alma como o corpo podem ser, por sua vez, ativos ou passivos.       Quando passivos, o somos de corpo e alma. Quando ativos, o somos de corpo e alma. Somos ativos quando autônomos, senhores de nossa ação, e passivos quando o que ocorre em nosso corpo ou alma tem urna causa externa mais poderosa que nossa força interna, daí decorrendo a heteronímia.

          Ora, a virtude da alma, no sentido primitivo de força, poder, consiste na atividade de pensar, conhecer. Portanto, a sua fraqueza é a ignorância. Quando a alma se volta para si mesma e se reconhece capaz de produzir idéias, passa a uma perfeição maior e é, portanto, afetada pela alegria. Mas, se em alguma situação a alma não consegue entender, a descoberta de sua impotência causa o sentimento de diminuição do ser e, portanto, provoca tristeza. Nesse caso, a alma está passiva.

       Já nas relações entre os corpos, resultam afecções, na medida em que é da natureza do corpo afetar outros corpos e ser afetado por eles. A maneira pela qual um corpo afeta outro determina duas situações diferentes. Se o corpo que nos afeta se “compõe” com o nosso, a sua potência (ou capacidade de agir) se adiciona à nossa, o que provoca aumento da nossa potência; passamos a uma perfeição maior, cujo resultado é a alegria.Ao contrário, se há um “mau encontro”, quando o outro corpo não se compõe com o nosso (por exemplo, no caso da tirania), dá-se uma subtração da nossa potência, que, diminuída, gera tristeza.

       Espinosa chama de paixões a tristeza e a alegria; no sentido etimológico a palavra paixão significa “padecer”, “sofrer”. Ao padecer, não somos nós que agimos, mas a ação tem uma causa exterior, e nós permanecemos passivos. A diferença entre paixão triste e paixão alegre é que esta, ao aumentar o nosso ser e a nossa potência de agir, nos aproxima do ponto em que nos tornaremos senhores dela e, portanto, dignos de ação.A paixão triste nos afasta cada vez mais da nossa potência de agir, como geradora de ódio, aversão, temor, desespero, indignação, inveja, crueldade, ressentimento.

      Como fazer para evitar a paixão triste e propiciar a paixão alegre? Aí reside a originalidade de Espinosa, para quem a alma não determina o movimento ou o repouso do corpo. nem o corpo determina a alma a pensar. Não cabe ao espírito combater as paixões tristes, pois o que as destruirá só pode ser uma paixão. Alegre, situações em que, de joguetes dos nossos afetos, p0- demos passar a ser senhores deles.

       Diferentemente de outros filósofos que estabelecem hierarquias e pretendem subjugar as paixões à razão ou vice—versa, para Espinosa a liberdade não está em nos livrarmos das paixões, mas em sermos capazes de perceber que somos causas das paixões: liberdade é autodeterminação, é autonomia. Conseguimos isso sobrepondo, às paixões nascidas da tristeza, as paixões alegres. Portanto, um afeto jamais é vencido por uma idéia, mas um afeto forte é capaz de destruir um afeto fraco. Somos autônomos quando o que acontece em nós é explicado pela nossa própria natureza, e não por causas externas.

        Por isso, Espinosa é um filósofo da vida e considera prejudicial toda moral baseada no dever, na noção de falta e de mérito, de pecado e de perdão.


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