segunda-feira, 3 de maio de 2010

CRITICISMO KANTIANO

O criticismo kantiano

       Influenciado pela leitura de Hume. em especial pelas criticas que este faz ao dogmatismo racionalista. Kant (1724-1804) tenta encontrar uma solução que supere a dicotomia representada pelo ceticismo empírico e pelo racionalismo,

    Tendo como pressuposto o ideal iluminista da razão autônoma capaz de construir conhecimento, Kant vê a necessidade de proceder à análise crítica da própria razão como meio de estabelecer seus limites e suas possibilidades. Podemos sintetizar o problema kantiano na seguinte pergunta: é possível conhecer o ser em si. o supra- sensível ou metafísico através de procedimentos rigorosos da razão? Por seres metafísicos ele entende Deus, a liberdade e a imortalidade.

      O primeiro passo para obter a resposta é fazer a critica da razão pura. Em suas palavras,a critica é útil “convite feito á razão para empreender de novo a mais difícil das tarefas, o conhecimento de si mesma, e para instituir um tribunal que a garanta nas suas pretensões legítimas e que possa, em contrapartida, condenar todas as usurpações sem fundamento”.

     Para empreender essa tarefa. Kant propõe o” método transcendental”, método analítico com o qual empreenderá a decomposição e o exame das condições de conhecimento e dos fundamentos da ciência e da experiência em geral.

    Feita a reflexão critica, chega a conclusão de que há duas fontes de conhecimento: a .sensibilidade. que nos da os objetos. e o entendimento, que pensa esses objetos. Só pela conjugação das duas fontes é possível ter a experiência do real.

    E a partir desses dados que Kant faz a revolução na teoria do conhecimento: em vez de admitir que nosso conhecimento se régua pelo objeto. inverte a hipótese: são os objetos que devem regular-se pelo nosso modo de conhecer. O sujeito çognoscente tem formas (ou modos próprios) a partir das quais recebe os objetos

    As formas ou conceitos a priori (anteriores a experiência) são as condições universais e necessárias para o aparecimento de qualquer coisa a percepção humana e para que esse aparecimento se tome progressiva- mente mais inteligível ao entendimento. Assim, as formas são constitutivas de toda nossa experiência de mundo. de todo nosso conhecimento. Isto quer dizer que não somos tolhas em branco, sobre as quais os objetos deixam suas impressões. mas, como sujeitos do conhecimento, ajudamos a construí-lo.

     colaboramos com nosso modo de perceber e entender o mundo.Como conseqüência.só conhecemos os fenômenos enquanto se relacionam a nos, sujeitos. e não a realidade em si. tal qual é. independentemente da relação de conhecimento.

As formas a priori dividem-se em:

• formas a priori da sensibilidade — espaço e tempo:

• formas a priori do entendimento puro

— formas relacionais como causa e efeito. substância e atributo.

     Exemplificando: a nossa percepção dos objetos sensíveis sempre os relaciona a um espaço, isto é, esses objetos se posicionam mais para frente ou mais para trás, mais ao alto ou mais abaixo, à direita ou à esquerda de outros objetos que tomamos como referência. Também classificamos essa percepção como anterior, posterior ou simultânea a outras. Essa atividade relacional só é possível através das formas a priori da sensibilidade. Do mesmo modo, relacionamos algumas percepções sucessivas como pertencendo a categoria de causa e efeito.

      A experiência, portanto, é uma unidade sintética, ou seja, não é só a combinação de matéria (“aquilo que no fenômeno corresponde a sensação”) e forma (‘aquilo que faz com que a diversidade do fenômeno seja ordenada na intuição, através de certas relações’). mas. também, a combinação das formas da intuição e do entendimento e suas relações funcionais.

       Com isso. Kant conclui pela impossibilidade do conhecimento através do uso puramente especulativo da razão. A razão especulativa, entretanto, embora não possa conhecer o ser em si, abstrato, que não se oferece à experiência e aos sentidos. pode pensá-lo e coloca problemas que SI) serão resolvidos no âmbito da razão pratica. Isto e, no campo da ação e da moral. Ou seja. embora Deus,a liberdade e a imortalidade não possam ser conhecidos (agnosticismo) por não terem uma matéria que se ofereça à experiência sensível, nem por isso têm sua existência negada. Se o conhecimento não nos leva ate eles, devemos encontrar uma outra via de acesso, uma vez que a liberdade, por exemplo, é o fundamento da vida moral.

1. A herança iluminista

       Esse impulso crítico nascido com a Ilustração, cujos principais representantes, na França. Foram Diderot e Voltaire e. Na Alemanha. Kant, não se esgotou com ela.

       Devemos, neste ponto, diferenciar o conceito de Ilustração e iluminismo. Dá-se o nome de Ilustração às idéias que floresceram no século XVIII defesa da ciência e da racionalidade critica contra a fé. a superstição e o dogma religioso: defesa das liberdades individuais e dos direitos do cidadão contra o autoritarismo e o abuso do poder. e cujo principal representante foi Kant. O Iluminismo. considerado como tendência intelectual não-limitada a nenhuma época, combate o mito e o poder a partir da razão.

       Entendido dessa forma. o lluminismo apresenta-se como processo que coloca a razão sempre a serviço da critica do presente. de suas estruturas e realizações históricas.

        Segundo o filósofo brasileiro Rouanet.”a Ilustração foi, apesar de tudo, a proposta mais generosa de emancipação jamais oferecida ao gênero humano. Ela acenou ao homem com a possibilidade de construir racionalmente o seu destino, livre da tirania e da superstição. Propôs ideais de paz e tolerância, que até hoje não se realizaram. Mostrou o caminho para que nos libertássemos do reino da necessidade, através do desenvolvimento das forças produtivas. Seu ideal de ciência era o de um saber posto a ,serviço do homem, e não o de um saber cego. seguindo uma lógica desvinculada de fins humanos. Sua moral era livre e visava uma liberdade concreta, valorizando, como nenhum outro período, a vida das paixões e pregando uma ordem em que o cidadão não fosse oprimido pelo Estado, o fiel não tosse oprimido pela religião e a mulher não fosse oprimida pelo homem. Sua doutrina dos direitos humanos era abstrata, mas por isso mesmo universal, transcendendo os limites do tempo e do espaço. suscetível de apropriações sempre novas, e gerando continuamente novos objetivos políticos”.

       A tarefa iniciada por Kant, de superação da incapacidade humana de se servir do seu próprio entendimento e ousar servir-se da própria razão, não poderá jamais ser completada. E tarett que precisa ser refeita a cada momento, a partir das duas condições necessárias: o exercício da razão crítica e da crítica , racional.

        2. A crise da razão

          No final do século XX. estamos testemunhando o despertar de um movimento irracionalista que critica o uso da razão como arma do poder e agente da repressão, em vez de ser instrumento da liberdade humana, como proclamado pelo Iluminismo do século XVIII.

        Seguindo esta corrente, vemos florescer o individualismo exacerbado. o narcisismo, o vale-tudo, a des-razão que leva ao aniquilamento de todos os princípios e valores.

        Mas será que podemos atribuir a culpa pelos descaminhos ao uso da razão? Na verdade, os conceitos de razão e da critica devem ser reexaminados.

      Quando falamos em razão, não mais acreditamos ingenuamente que. Só pelo fato de sermos humanos, sejamos automaticamente racionais. Devemos, a partir dos estudos de Assim, a nova razão crítica precisa:

      fazer a crítica dos limites internos e externos da razão, consciente de sua vulnerabilidade ao irracional:

estabelecer os princípios éticos que fundamentam sua função normativa;

vincular essa construção a raízes sociais contemporâneas. submetendo-a a prova de realidade. Esse solo social aparece no Processo comunicativo, dentro do qual os sujeitos propõem e criticam argumentos. criticam as motivações subjacentes e desenvolvem as capacidades humanas de saber, de busca da verdade, da justiça e da autonomia.

3. Conclusão

          As teorias do conhecimento que se desenvolveram tanto na Antiguidade quanto na Idade Média não colocavam cm duvida a possibilidade de conhecer a realidade tal qual é. A separação entre fé e razão, o antropocentrismo e o interesse pelo saber ativo na época do Renascimento levaram os filósofos a partir do séc. XVII a questionar a possibilidade do conhecimento, dando origem às teorias racionalista e empirista. Kant supera essa dicotomia tendo como premissa o ideal iluminista da razão autônoma e procede a análise critica da própria razão, concluindo que o conhecimento só é possível pela conjunção de duas fontes: a sensibilidade e o entendimento. A sensibilidade da a matéria e o entendimento dá as formas do conhecimento.

        No fim do sécXVIII. , exacerba-se a critica ao uso da razão em prol do poder e da repressão. Marx e Freud mostraram que a razão pode ser deturpadora em vez de iluminadora. Só a atividade critica da razão que dialoga, que aspira à compreensão mútua pode combater a visão instrumental da racionalidade.

A construção do conhecimento fundado sobre o uso critico da razão,vinculado a princípios éticos e a raízes sociais é tarefa que precisa ser retomada a cada momento,sem jamais ter fim.

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